Literatura-34.O tálamo...

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Forçando um pouco a vista pela claridade ofuscante, vi montanhas azuladas ao longe, pelo lado do suposto norte. Nas proximidades onde estava nada existia de verde. Sequer um pé de urtiga, tinha ali. Embora estivesse em um deserto a primeira vista, o ar era fresco e agradável. O sol não aquecia tanto quanto a característica do lugar. Talvez pelo fato de ser a parte da manhã. Fala-se em deserto, pensa-se em calor escaldante. Depois de muito pensar comecei a caminhar em direção as montanhas. Elas poderiam estar a duzentos quilômetros dali, mas eu sabia que lá teria água e o resto de elementos que permitem a sobrevivência do homem. Andando, vinha aquela sensação angustiante de estar bem distante de casa. Uma tristesa enorme abateu sobre mim e comecei a chorar, pensando na minha vida que ficou para traz e na minha rotina. Indiferente, um pequeno gavião piava incessante, fazendo círculos no profundo azul celeste. Comecei a observá-lo e daí notei que no céu mais para o lado oeste, aparecia a imagem de duas luas em fase minguante. É quando se parece com uma banana. Uma era maior que outra. Daí que fiquei completamente alucinado, pelos pensamentos vindo em turbilhões, tentando achar uma explicação para aquilo. Enquanto ouvia o barulho de meus passos na areia seca,cheguei a uma conclusão. De duas coisas é uma: Ou estou completamente louco e tendo visões, ou estou em outro planeta. Isso porque a terra tem somente uma lua. Olhei novamente torcendo para ver uma lua somente, mas lá continuavam as duas, uma a certa distância de outra. Interessante como somos avessos a mudanças rápidas e repentinas. Eu sou assim. Tenho que estudar e planejar muito bem as coisas, antes de pô-las em execução. Depois de alguns brados de revolta para o infinito de areia e céu azulado, ainda com os olhos marejados, vi ao longe, distorcida, uma pequena revolução de pó, sinal que alguém vinha em minha direção. O redemoinho foi aumentando e logo já se distinguia um ponto escuro parecendo ser um veículo. Animei-me um pouco, mas ao mesmo tempo pensei que poderia ser algo hostil. Mas ali para se esconder, somente se me enterrasse na areia. Não tinha para onde fugir e pelo lugar inóspito não tinha onde ficar. O jeito era esperar e ver o que aconteceria. Tinha que ser melhor do que morrer com a boca cheia de areia e com uma sede implacável. Com o coração acelerado vi se aproximar uma espécie de camionete, cheio de mulheres todas fardadas. Era uma roupa que consistia em uma calça amarelada cheia de recortes e uma camiseta da mesma cor. Tinham nas mãos fuzis, o que me deu a ideia de ser uma patrulha do deserto. 

O único ponto interessante, era de serem mulheres. Fiquei mais tranquilo em ver que não estava no meio da África. Elas desceram rapidamente e me cercaram apontando suas armas. Esperei parado, alguma comunicação ou algo parecido. De repente sem ver, levei uma coronhada na nuca que me atirou no chão atordoado. Enquanto uma pisava em meu pescoço, outra me revistava todinho. Fiquei esperto e temeroso que o meu fim estivesse próximo. ”Não tinha sorte com elas, mesmo”, pensei. Eram em número de cinco. Uma dirigia, outra coordenava e três obedeciam. Falavam uma língua desconhecida, algo parecido com os idiomas do leste europeu. Depois de algum tempo com a cara na areia, me levantaram de maneira bem estúpida e me empurraram até o veiculo. “Pelo menos não vou morrer agora”. Pensei comigo. Tomaram posse de minha mochila e olharam minha arma com curiosidade, como se fosse algo muito antigo. Me sentaram no meio de duas moçoilas reforçadas. O espaço era pequeno e elas pareciam não se importar em fazerem de mim um sanduíche. Não tinham também aquele cheiro maravilhoso e característico das mulheres que conhecia e que tanto amava. Já sentia saudades de minha casa. Um nó formou em minha garganta. Fomos em direção às montanhas. Eu estava no rumo certo ao me dirigir para lá. De repente um solavanco maior que o necessário nos jogou fora do veículo. Antes de cairmos fora, eu já estava começando a desconfiar que a velocidade do veículo superava os limites do terreno. Na queda, fui amortecido pela areia solta e pelo corpo macio de uma que estava ao meu lado. Ela não teve tanta sorte e ficou imóvel depois da queda. Deitado de costas, naqueles segundos, ainda olhei para o céu e vi o gavião em suas infindáveis planagens, tecendo uma espiral invisível no azul profundo. Aproveitando que todas estavam confusas pela queda, usufruí da oportunidade para fugir. Era um boa hora, visto que todas estavam meio atordoadas e provavelmente não conseguiriam me acertar um tiro. Só ficou no veículo a motorista, que freou depois de uns vinte metros e se preparava para voltar acudir as companheiras. Das outras quatro, uma estava desmaiada, e outras três tentavam se recompor tirando areia da farda. Disparei em uma corrida, para ver se conseguia escapulir. Ao mesmo tempo, pensei que poderia ser alvejado facilmente por elas. Mas a trajetória foi muito curta. Depois de uma dezena de metros a areia me sugou para baixo e desci num turbilhão avermelhado por alguns segundos, prendendo a respiração para não me afogar e fechando os olhos para não ficar cego. Caí sobre o monte de areia formado pela própria avalanche que fazia parte. Quando me dei conta, estava dentro de uma caverna, onde a única luz vinha do buraco acima por onde caí. O ar era fresco mas tinha um odor estranho semelhante a amônia. Pensei que poderia ter milhares de morcegos pendurados no teto enegrecido pela falta de luz. Ainda me recuperando da queda e verificando que nada tinha quebrado em meu cansado corpo , senti uma presença estranha e um arrepio percorreu minha dorsal,como uma prevenção, que aquilo não era bom. Algo enorme e vagaroso se mexia em minha direção. Meus olhos desacostumados com a escuridão não podia ver com detalhes o que realmente era. Procurei na cintura a arma que trazia e nada achei. Daí lembrei que elas tinham me tirado, antes de sairmos em disparada naquele jipe tresloucado. Na penumbra da claridade vinda do buraco por onde caí ,que me deixava parecido com um ator de teatro debaixo do holofote,visualizei uma terrível criatura parecida com um escorpião, com as pinças e tudo mais. Imaginei o tamanho do ferrão que deveria estar na ponta da cauda.

 Veneno deveria ter de sobra para matar-me em minutos. Isso se não fosse cortado ao meio pelas pinças, que abertas, davam uma tesoura de um metro. Na testa do monstro brilhavam vários olhinhos brilhantes e sinistros. Não tinha para onde correr. Saindo do circulo de luz que vinha do exterior, era somente uma densa escuridão tenebrosa. Comecei a pedir a Deus que me perdoasse os pecados e recebesse minha alma, já que parecia ser aquela hora, a ultima de minha passagem pelo mundo dos vivos. Aí fiquei ainda mais confuso. Não tinha certeza se estava na face da terra. Da boca do buraco formado pela minha queda, alguém tentava me dar orientações, mas na confusão misturada com o medo e a linguagem desconhecida de nada adiantava. Na primeira investida da enorme pinça, consegui me desviar por centímetros. A foice dentada, parecendo aço, tirou areia de perto de meus pés,levantando poeira. Teria que ficar atento para as duas pinças. Entre o primeiro e segundo ataque, caiu em meu ombro uma coisa mole e com cheiro esquisito. Não conseguiu se firmar devido ao impacto da queda e caiu no chão aos meus pés. De relance, notei que era um enorme rato cinzento. Pensei comigo: ----Chegou a sobremesa.
O tempo nessas ocasiões , fica se movendo com mais lentidão. Igual aqueles sonhos que a gente procura desesperadamente correr e as pernas não obedecem. Parece que também o monstro, ao ver o rato parou por um instante para estudar nova estratégia de ataque. Mais uma coisa caiu com força em minha costa e minha garganta desprendeu um grito de dor. Era uma corda grossa. O pessoal de cima, tinha jogado, na esperança de me resgatar. O roedor avançou calmamente em direção ao gigante hipnotizado, ignorando os bufos e o mau hálito vindo de sua boca disforme. Subiu por uma das patas e o bicho parece que não tinha meios de o enxotar. Enquanto isso eu aproveitava o tempo, para amarrar a corda por baixo dos braços. O rato nessas alturas alcançou a boca do monstro e rapidamente entrou nela sem cerimônia. Fiquei aturdido com aquilo, não entendendo o que estava acontecendo. A turma de cima, começou a me puxar lentamente. Já estava a dois metros do chão quando escutei um baque surdo e ainda vi sair fumaça da cabeça do escorpião gigante. Este tombou pela lateral e caiu com fragor batendo o exoesqueleto como uma lataria de carro nas rochas, levantando um nuvem de poeira do chão. Passando mal com a corda apertando o meu peito, eu tentava respirar e ao mesmo tempo via a claridade aumentar por cima de minha cabeça. As moçoilas me pegaram com força e me jogaram na areia a borda do buraco. Ninguém se incomodava se eu estava passando mal ou bem .Enquanto uma apontava a arma em minha direção, outra soltava a corda do meu peito, causando um alívio, com meus pulmões podendo receber o precioso ar normalmente. Ninguém comentou nada e nada foi dito a respeito , mesmo entre elas. Pensei comigo: “Nunca fui tão desprezado como agora.” Mas podia deduzir que não queriam me matar, pelo menos por enquanto.Todo dolorido da queda e dos maus tratos impostos por elas, fui jogado dentro do veículo. Êste voltou a sacolejar novamente e eu deitado no assoalho duro, consegui ver que aquilo era uma felicidade, considerando o que tinha a pouco passado. Lembrei do rato e do monstro. Cheguei a conclusão que o rato deveria ser um robô bomba. Se ligava o bicho e ele se direcionava para o alvo. Na minha imaginação meio turva pelas dores,vi o rato entrando por entre a fila de clientes de um grande banco e indo diretamente ao enorme cofre cheio de notas verdes. Certas coisas, nem é bom pensar em mudar de lugares ou épocas.
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Depois de uma hora de viagem cheia de solavancos e a toda velocidade, chegamos a um pequeno vilarejo militar. A que comandava disse alguma coisa as outras e duas me pegaram aos empurrões e me levaram até uma construção de pedra. Ao entrarmos, notei que o ar ali era quase frio e tinha cheiro de sujeira. Não demorei em descobrir que era uma prisão. Tinha uma sala grande na entrada com uma porta no centro. Essa porta dava para um corredor onde estavam as celas. Eram três de cada lado. Lembrei–me das historias que contavam das prisões do meu país e um frio percorreu minha espinha. Se ali fosse igual , estaria perdido. Era tudo construído de pedras enormes onde só passava o frio e nada mais. Ao passar no corredor, olhares curiosos me observavam...Nada diziam. Era o mais profundo silêncio. Jogaram-me na ultima cela da direita e o ultimo som foi o bater da porta de ferro. Fiquei ali em pé esperando, os olhos acostumarem com a escuridão. Tentava não deixar meus pensamentos caminharem para o desespero.

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