Morrer
onde quiser
Outro
dia , sabendo que um amigo tinha ficado doente meio de
repente,comecei a pensar sobre nossos caprichos, muitas vezes sem rasão e que na prática , nem sempre é atendida.
Meu amigo foi internado as pressas e descobriram que seu estado era grave. Como acontece nesses casos em que o hospital não tem recurso suficiente,despacha o paciente para outra cidade.
O meu
amigo é do tipo que procura médico, somente quando não se aguenta
mais. Tem aversão a hospital e ao ambiente deprimente e cheio de
tristeza. Com toda rasão.
Quando
decidiram mandar ele para Sorocaba,chorando ele pedia a filha para
não deixarem levá-lo. Que ela fizesse alguma coisa para impedir.
Mas nesses casos ninguém nos ouve e as providências são tomadas
visando nossa melhora.
Aí
já entra um outro fator não raro nos seres humanos. Deixar ou se
distanciar do lugar ou da cidade em que vive. Muitas vezes eles
encaram a morte e não arredam pé do lugar onde nasceu.Alguns dizem que criou raízes.
O mundo dele
é alí, composto muitas vezes de algumas ruas , uma pracinha, os
amigos.
=========
Em
Guareí conheci um homem que se chamava Brás. O sobrenome não me
lembro. Tinha um filho a quem chamavam de Preto do Brás. O Brás era
uma pessoa super simples.
Pobre como a maioria do povo, andava
descalço, com a calça dobrada pelo meio da canela e a camisa solta ao
vento.Era um símbolo de liberdade. Trazia sempre um sorriso no rosto, de quem estava satisfeito
com a vida.
Circulava pela cidade,falando com todo mundo. Era muito
conhecido e querido de todos. Um dia apareceu em seu lábio inferior
um pequeno caroço que foi aumentando gradativamente.
Logo já
chamava a atenção e ele com vergonha vivia com a mão no rosto,
tapando o infortúnio. Depois de um certo tempo a mão já não
cobria o suficiente e ele passou a usar um pano.
Era
um câncer. Muita gente o aconselhava a procurar atendimento, mas ele
no princípio ignorava. Depois de um certo tempo, conseguiram levar
ele para um hospital em uma cidade da região.
Ficou internado para
eventual cirurgia e tratamento. Com os nervos a flor da pele e cada
vez mais angustiado de ficar longe de casa, quando surgiu uma
oportunidade, fugiu do lugar que cheirava a morte e a alegria parece
que por ali não passava.
Quando
conseguiu chegar de volta em casa, conversei com ele e me contou que quando viu a cidade novamente até o dia ficou mais claro.O povo o questionava e ele
respondia a verdade. Não aguentava ficar preso a um quarto e ainda
mais longe de sua casa.
A gente o aconselhava a voltar para resolver o problema, mas ele, firme e intransigente, dizia que nunca mais voltaria para hospital algum.
Logo a doença se agravou e ele veio a
falecer. Se teve algum gosto na vida, um foi o de decidir o lugar
onde morreria. Para nós parece coisa de gente ignorante, mas na
cabeça dele era o certo.
Nunca
tinha viajado para fora da cidade durante toda a sua vida. Fazer isso
era algo completamente estranho e sem propósito. Tinha medo de tomar
ônibus assim como tem gente que tem medo de avião.
Meu
pai quando já estava com a idade avançada e minha mãe também já
velhinha, esta começou a perder a noção de cozinhar. Um dia eu
disse a ele:
----Porque
não vai morar em Tatuí, lá tem eu, o Philemon, a cidade tem mais
recursos, etc etc.----Ele olhou para o teto, como se procurasse no
vermelho das telhas ,uma confirmação para o que ia dizer e falou:
----Não...Fico
aqui mesmo...o meu lugar é aqui.----Falou com tanta convicção que
mudei até de assunto. Mas aquelas palavras ficaram gravadas em minha
memória.
A cidade nunca tinha dado a ele possibilidades de uma vida melhor, conforto e estabilidade. O povo era de uma certa forma estranho, do tipo que gostava de festejar a derrota de outros.
Onde as amizades eram supérfluas, frágeis e a cada passo poderia se pisar em uma armadilha. Havia um discriminação velada dos que moravam nos sítios e os da cidade.
Os do sitio se comunicavam bem entre eles e se tratavam por compadres.Poucos tinham amizade verdadeira com os da cidade. Havia uma desconfiança latente.
A política era perversa e envolvente. Se a gente estava de um lado, era considerado inimigo de outro e poderia estar certo que mais cedo ou tarde a vingança viria.
Pensando tudo isso eu discordava categoricamente do velho e respirei profundamente ,com um alívio na alma de não morar mais ali. A cidade para mim era aquela da infância.
Quando voltei morar lá novamente, a maior decepção foi descobrir que ela não existia mais. Porém para o meu pai, sua vida toda foi entre a bifurcação dos dois rios.
Não teve experiência em outras paragens nem venturas em outros sítios. Vinha de uma sequência de gerações que fizeram o mesmo. Seu avô, seu pai e muitos de seus parentes.
Vizinhos conhecidos iam embora, vinham outros, mas a vida dele não mudava e nada fazia em prol disso. JV , meu sogro, tinha também êsse vírus urbano. Quando faleceu, morava em Sorocaba.
O levaram para ser sepultado na terra natal. Certamente que ouve um pedido antes, para que assim procedessem. Meu irmão, embora morando muito tempo em Tatuí , em suas conversas a gente percebia o amor que tinha pela terrinha.
É um amor incondicional mas que está firmado, não nos dias atuais com novas gerações e com a cidade mudando de feições. Ele está firmemente fixado no passado, nas pessoas da época e na cara da cidade antiga.
Nos acontecimentos idos, nas conversas perdidas e no deslumbramento de uma época que marcou sua vida. Época de juventude, onde tudo era bonito, mesmo sendo feio.
Onde tudo era alegria, mesmo com um fundo de tristeza. A vontade , a impetuosidade e a vida cheia de sonhos camuflava tudo de negativo que viesse a tona. Até a falta de dinheiro.
A cidade nunca tinha dado a ele possibilidades de uma vida melhor, conforto e estabilidade. O povo era de uma certa forma estranho, do tipo que gostava de festejar a derrota de outros.
Onde as amizades eram supérfluas, frágeis e a cada passo poderia se pisar em uma armadilha. Havia um discriminação velada dos que moravam nos sítios e os da cidade.
Os do sitio se comunicavam bem entre eles e se tratavam por compadres.Poucos tinham amizade verdadeira com os da cidade. Havia uma desconfiança latente.
A política era perversa e envolvente. Se a gente estava de um lado, era considerado inimigo de outro e poderia estar certo que mais cedo ou tarde a vingança viria.
Pensando tudo isso eu discordava categoricamente do velho e respirei profundamente ,com um alívio na alma de não morar mais ali. A cidade para mim era aquela da infância.
Quando voltei morar lá novamente, a maior decepção foi descobrir que ela não existia mais. Porém para o meu pai, sua vida toda foi entre a bifurcação dos dois rios.
Não teve experiência em outras paragens nem venturas em outros sítios. Vinha de uma sequência de gerações que fizeram o mesmo. Seu avô, seu pai e muitos de seus parentes.
Vizinhos conhecidos iam embora, vinham outros, mas a vida dele não mudava e nada fazia em prol disso. JV , meu sogro, tinha também êsse vírus urbano. Quando faleceu, morava em Sorocaba.
O levaram para ser sepultado na terra natal. Certamente que ouve um pedido antes, para que assim procedessem. Meu irmão, embora morando muito tempo em Tatuí , em suas conversas a gente percebia o amor que tinha pela terrinha.
É um amor incondicional mas que está firmado, não nos dias atuais com novas gerações e com a cidade mudando de feições. Ele está firmemente fixado no passado, nas pessoas da época e na cara da cidade antiga.
Nos acontecimentos idos, nas conversas perdidas e no deslumbramento de uma época que marcou sua vida. Época de juventude, onde tudo era bonito, mesmo sendo feio.
Onde tudo era alegria, mesmo com um fundo de tristeza. A vontade , a impetuosidade e a vida cheia de sonhos camuflava tudo de negativo que viesse a tona. Até a falta de dinheiro.
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