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Sai
novamente no descampado da rua. Uma brisa agradável trazia um
perfume de flores silvestres. Pelo menos alguma coisa boa tinha
naquele lugar indigesto. Um lugar por mais bonito que seja, nunca
chega a perfeição se o povo é antipático e hostil, pensei,
enquanto ia caminhando devagar e com os ouvidos atentos para alguma
pista que surgisse. Continuei andando devagar e com a observação
mais apurada do que nunca. A posição do sol indicava que deveria
ser por volta das onze horas. Estava esquentando e a dificuldade em
andar com o calor aumentava. Começava a sentir uma umidade desagradável em meu pescoço , de suor. Um cão preto, saído de
algum lugar,possivelmente da igreja, me localizou de longe e veio em
minha direção a toda velocidade sem dar um latido sequer. Por sorte o localizei de longe.Isso dava tempo para tomar uma decisão.Pensei
comigo, que esse era perigoso. Sua boca arreganhada deixava aparecer
os dentes brancos e ameaçadores que contrastavam com o negror de seu
pelos.Não parecia um cão, mas o diabo em forma de animal. Ajeitei a arma na mão e fiquei de alerta. Tentei me controlar
para não tremer. Ninguém chamou a atenção do cachorro, o que me
fez entender que possivelmente fosse incentivado por alguém. Quando
ele chegou a distância de dois metros, se atirou em direção ao meu
pescoço. Em um relance, sai de sua trajetória e ele passou esfregando os pelos em minha cabeça. Aterrisou atras , se perdendo no equilíbrio. Tão logo ele se aprumou,em um
redemoinho de poeira, começou a vir em minha direção novamente.
Eu já estava com ele na mira. Quando ele se preparava pra outro
pulo, uma bala certeira entrou em seu cranio, bem entre os olhos. O
bicho nem gemeu e caiu mortinho da silva. Pensei comigo, o quanto
estava ficando bom naquilo. Aprendera também a controlar meus nervos
de uma forma especial. Com a arma ainda erguida e segurando-a com as
duas mãos, dei uma volta completa nos calcanhares, para ver se
alguma coisa a mais me ameaçava. Estava disposto a atirar em
qualquer coisa que se movesse. Mas tudo voltou ao silêncio anterior.
Ninguém apareceu, ou abriu a janela para ver o que tinha acontecido.
O cão ficou estendido no chão formando um pequeno monte negro.
Continuei
andando e me afastando da igreja. Quase no fim das fileiras de casas
no lado direito, por trás delas, vi um homem sentado à sombra de
uma generosa árvore. Caminhei os duzentos metros que nos separavam,
para conferir. A arma continuava em minha mão. Tinha que estar
prevenido para coisas repentinas. Em meu coração, pedia a Deus que
o indivíduo fosse quem procurava. No principio não o reconheci.
Estava com um aspecto deplorável, semelhante a um mendigo abandonado
pelo destino. Sua camisa fina se transformara em um amarelão sujo e
rasgado. Sua calça estava aberta na costura em uma das pernas,
deixando-a exposta e queimada pelo sol. Com barba crescida e
fisionomia amarela de passar fome, formava um quadro deprimente.
Imediatamente me acometeu uma grande piedade. Não desejava aquilo
para ninguém. Nem para ele. Em sua testa do lado direito um
ferimento denunciava uma batida com a cabeça ou uma cacetada que
levou de alguém. Naquele lugar pelo que vi, tudo poderia acontecer
com estranhos. Cheguei devagar e disse:
----Bom
dia... O senhor é destas bandas?----Ele me olhou com ar indiferente
e disse, passando a mão no cabelo ensebado.
----Quero
água... Tem água aí?----Confirmei pela sua voz que era mesmo quem
procurava. Cresceu uma alegria dentro de mim. Afinal , eu conhecia
aquele indivíduo há muito tempo.
----Posso
arranjar... Mas antes responda.
----O
que quer saber?
----Se
você é daqui.
----Não...
Não sou. Pensam que sou louco porque digo que não me lembro de como
aqui apareci. Tenho na memória cenas de uma cidade, de uma casa, que
certamente não é aqui... E a água?
Tirei
da mochila uma garrafa com água mineral e ofereci. Ele a pegou
como se visse algo familiar, tirou a tampa e tomou um gole.
----Eu
conheço esta água, não sei de onde.. É muito boa. ----Disse,
forçando um sorriso. Logo em seguida, veio se aproximando uma mulher
que saiu não sei de onde, com uma bandeja na mão e uma jarra em
outra. Chegou devagar,olhando para os lados e para trás, como se
estivesse se escondendo de alguém. Com cara de poucas amigas, disse:
----Aqui
está seu almoço. ----Na sequência, entregando ao homem a bandeja
com um pouco de feijão, arroz e um pedaço de carne frita. Na jarra
trazia água. Aristides pegou sem agradecer, e começou a comer
imediatamente. Na vontade de ser agradável e esboçando um sorriso,
olhei para a mulher que aparentava cinquenta anos, mas tinha a
tez toda judiada pela vida agreste. Com os descontos das
batalhas,deveria ter o máximo quarenta. Querendo ser simpático pelo
ato que ela praticava, disse:
----Que
bom que em todas as épocas existem pessoas caritativas como à
senhora, que fazem o bem sem olhar a quem. ----Ela sem um mínimo de
emoção, olhou para mim e falou como se falasse com uma pedra:
----
Não é certo deixar as pessoas passarem necessidade.---Não desisti
e continuei:---Aquela igreja no fim da rua, mora alguém nela?Tem um
padre por lá?---Ela de mau grado me respondeu:---Não mora ninguém
por lá. Desde que o velho padre morreu, não veio ninguém
mais.---Pensei ter ouvido um cachorro la dentro, talvez o mesmo que
me atacou depois, antes de chegar aqui.---Insisti.--- A igreja está
vazia, ninguém vai lá. Você ouviu o vento.--- O assunto acabou aí.
Depois que Aristides comeu e tomou mais um pouco de água, ela pegou
a bandeja e a jarra e foi-se embora do mesmo jeito que viera.
Indiferente, furtiva e quase invisível. Pensei comigo sobre aquelas
pessoas que viviam ali. Eram muito estranhas , embora esta fosse
caridosa.
----Então,
homem... Quer voltar para casa?
----Que
casa?
----A
sua casa, na sua cidade, com sua família.
----Você
está brincando comigo. Sair daqui como?----Disse ele triste.
----Não
estou não... Vim aqui só para buscá-lo, e tenho meios de leva-lo
rapidinho de volta.----Um brilho de esperança apareceu em seus
olhos, mas logo se desvaneceu,como se eu propusesse fazer algo
impossível, em que não acreditava. O sofrimento o tinha deixado
descrente.
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