Tempos difíceis


















Em 1982 estava desempregado e um amigo engenheiro me
colocou em uma firma onde ele era o diretor técnico.No
princípio o local de trabalho era para ser em Sorocaba,
mas o país estava atravessando uma crise.A fabrica estava
desativada e a nova opção era trabalhar em outra, em São
Paulo.

Aceitei pela necessidade de trabalhar.Fazia um ano que tinha
comprado nossa casa e as prestações iriam se arrastar pelos
vinte e dois anos seguintes.Se parasse, perdia a oportunidade
de ter uma casa.Era uma empresa Holandesa ,comandada
por brasileiros.

A minha permanência na firma durou apenas 4 meses.
Quando cheguei ela já estava capengando mediante a crise.
O departamento técnico era enorme e se dispunha em ordem
as pranchetas, com nada menos que quinze desenhistas.Foi a
maior sessão técnica em que trabalhei, em minha  vida
profissional.

Foi um tempo difícil, em que cheguei a perder peso por
conta da agitação.Pegava o ônibus de Tatuí para Paulo as
5 horas da manhã.A noite estava de volta em casa lá pelas
21 horas.Tomava banho, jantava e ia dormir porque dali a
pouco tinha que levantar.

Descia nas proximidades do viaduto da Freguesia do Ó
passava por cima dele para o outro lado do rio de águas
negras como o petróleo.O cheiro forte entrava ardendo
pelas narinas.Era no outono e muitas vezes caminhava
pelo meio da neblina poluída. Andava mais 800 metros
para chegar até a rua onde estava a firma.

Logo que entrava do outro lado eu via que tinha uma rua
que saia pela esquerda em sentido que parecia uma
transversal.Em frente a firma, tinha prédios de fábricas
abandonadas e uma saída que a meu ver seria o fim da
rua que começava lá perto do viaduto. Pensava eu, que
se viesse por ali cortaria um bom caminho.

Certa manhã ensolarada , resolvi fazer o trajeto, ciente
que estava praticando uma esperteza em meu favor.A
rua não era reta.Fazia varias curvas e até cheguei a
pensar que não chegaria ao lugar suposto. Caminhando
rápido, de repente percebi que estava entrando em uma
favela.

O coração acelerou e o medo invadiu meus pensamentos.
Não dava para voltar porque chegaria muito tarde a
empresa.Barracos decadentes dos dois lados da rua.
Imaginava que de repente pudesse alguém sair correndo
de um deles e me assaltar em plena manhã de sol.

Ouvia meus passos na cabeça e as batidas cardíacas
sentia na garganta.Saia fumaça de alguns barracos e
em outros, rádios escancarados tocavam sambas da
época.A favela começava a despertar.Escutava conversas,
alguns gritos , mas tudo fora da rua.Demorou longos
dez minutos para atravessar o vale das sombras.

Quando cheguei ao fim, parece que o sol emitiu um 
novo brilho, vendo a empresa familiar logo a frente.
Parecia que estava passando por um portal onde a 
realidade era uma  velha conhecida.

Muitas vezes a gente via material de macumba pelas esquinas.
Agora tinha achado uma explicação para aquilo.Voltei a
fazer o caminho antigo e mais longo.Lição aprendida,
lição praticada.

Depois de 4 meses, um certo dia, de uma só canetada ,
mandaram 12 desenhistas embora.Fizeram fila no
departamento pessoal.Em meu subconsciente ja via que
tudo aquilo caminhava para um fim. Dois dias depois o
engenheiro me chama e diz que eu tinha duas opções.

Uma era continuar por lá, sem aumento (O que eu
ganhava não estava sendo o suficiente) e outra era ele
me demitir. Optei pela segunda opção.Tempos depois,
soube que a firma  fechou e até ele ficou desempregado.

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