Literatura-32. O tálamo

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Embora faltasse alguma coisa, tinha por outro lado compensações, como a total liberdade. Sentir-se livre é como ter asas para voar até para onde bem entender. Certa tarde quando voltava do trabalho com a cabeça vazia de problemas e os pensamentos absortos em banalidades, tive uma surpresa quando cheguei a casa. Em meu quarto, amontoado sobre minha cama, estava outra meio atravessada, bloqueando a passagem no pequeno espaço. Fiquei pasmo ao ver que era a velha cama que tinha retornado. Uma luz raiou dentro de mim como uma aurora prometedora. Fui conferir o móvel e estava tudo ali. Até o importante controle estava encaixado no devido lugar. Passada a euforia, fiquei desconfiado e comecei a analisar o porquê daquela cama ter voltado logo ali. Mil ideias passaram pela cabeça. Poderia ser um erro dos alienígenas que ocasionou a volta da cama, poderia ser uma armadilha para me vir buscar ou outras dezenas de possibilidades. Mas a velha atração pelo ter e pelo poder amainava outras paixões mais sensatas e vinha novamente o plano de roubar outro banco. Só que agora teria que agir sozinho, o que seria bem mais difícil. Mesmo assim não desanimei. Ajeitei os moveis para sobrar espaço para a cama. Parecia que dois velhos amigos se encontravam depois de uma longa ausência. Nessa noite não consegui dormir direito, de tanto as ideias borbulhavam na cabeça e tiravam o sono. O dia seguinte seria uma sexta feria. Sábado e domingo não trabalhava o que daria para experimentar o tálamo em algumas viagens de teste. Nunca um fim de semana foi tão ansiosamente esperado como esse. Pretendia se necessário usar todas as economias para levar avante o projeto. Estava me tornando inconscientemente um capitalista moderno. Gente que sempre desprezei pela cultura da ganância e de tirar proveito em tudo. O vislumbre da riqueza, transforma o homem em um elemento fragilizado e susceptível de ser vítima. É nisso que os estelionatários apostam e trabalham. Conferi minuciosamente o móvel, para detectar alguma coisa diferente. Parecia tudo igual à antes. No sábado de manhã, me preparei para acionar o controle e ir ate a época onde estava o grande banco. Quando lá chegasse teria ainda que viajar até a metrópole, para verificar os detalhes. Era onde estava a financeira. Qual não foi minha surpresa ao apertar o controle e aparecer em um lugar completamente diferente de antes? A primeira ideia foi que os malditos alienígenas tivessem alterado as coisas. Entre um mistifório de raiva e medo, fiquei parado por um tempo, analisando a situação que estava e o que poderia ter acontecido. A cama estava ali e o controle também, em minha mão. Verifiquei bem a data em que estava antes da viagem e apertei o controle para voltar. Poderia ser que tivesse errado em alguma coisa... Nada aconteceu... O tálamo nunca pareceu tanto com um móvel. Fiquei mais nervoso ainda, na expectativa de ficar por ali. Era a causa maior de meus temores. De repente aconteceu uma coisa imprevisível e que me deixou a beira de um ataque de nervos. Uma força parecendo magnetismo arrancou o controle de minha mão e foi puxado violentamente para o encaixe da cama. Depois disso a cama ficou com uma luz azulada e lentamente foi desaparecendo como se fosse passado uma borracha em um desenho. Prevendo a desgraça, me agarrei a ela o mais rápido que pude e terminei sentado na areia quente. Ela se desmaterializou e não fui junto.. Logo desapareceu por completo e eu me senti terrivelmente só. Atormentado pela situação lembrei-me de Aristides, que certamente passou pelo que eu estava passando. ”Nossos pecados, pagamos aqui mesmo”, pensei. Procurei controlar os nervos e manter a calma. Para isso sentei-me em um bloco e fiquei tentando recompor o espírito. Não adiantava alimentar o desespero e a angustia, naquele momento critico. Teria que saber agir e estudar onde estava antes de tomar alguma atitude. “Mas que atitude?”Pensava comigo. Fiquei ali sentado por varias horas. Não tinha coragem de me levantar e seguir uma direção. Não tinha para onde ir. Com o passar do tempo fui me acalmando devagar e cheguei à conclusão que nada poderia fazer, estava à mercê do destino. Comecei a reparar na paisagem que me cercava. Estava sentado no meio de um caos de blocos de concreto, entulho, construções demolidas, com alguma coisa ainda em pé, parecia um cenário de cidade bombardeada ou o que tinha restado depois de um grande terremoto.

 Não dava para definir se aquilo tudo fora uma cidade ou uma enorme fabrica, pois tinha tanques tombados escadas de metal que levavam ao nada e restos de prédios esburacados. Algo me dizia que devia sair dali, embora a área fosse enorme. O sol que antes de sair de casa era da manhã, agora parecia ser da tarde. As sombras se alongavam por entre os escombros. Ouvi ao longe o que parecia uivos de cachorro, o que me deixou alerta, pois poderiam ser lobos. Ultimamente não estava tendo muita sorte com lupinos. Não daria tempo de sair do lugar antes que anoitecesse, daí procurei um lugar para me proteger. Depois de muito andar pulando blocos e tropeçando em concreto, achei uma espécie de plataforma coberta por uma laje, de uns quatro metros de altura, onde o acesso era somente por uma escada de metal enferrujada e torta. Ali em cima estaria seguro para passar a noite. Além de pedaços de madeira e restos de construção, tinha também algumas latas com rótulos indecifráveis. Algumas estavam intactas e resolvi abrir uma para verificar o que era. Parecia solvente. Por sorte em minhas últimas viagens sempre saia com minha pequena mochila as costas,com coisas úteis. Estava ali com ela. Trazia minha arma, uma caixa de projéteis, um canivete, um isqueiro, um pedaço de corda, além de alguma coisa para comer e água mineral. A experiência me ensinara que essas coisas são necessárias em certas circunstâncias. Fiz um teste com uma ripa molhada com o solvente que prontamente virou uma tocha ao atear fogo. 

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