O drama continua. A impunidade também.


ACIDENTE NUCLEAR.
As novas vítimas do césio.

Quatorze anos depois do maior desastre
atômico brasileiro, o governo de Goiás prepara
a inclusão de mais 600 pessoas na lista de vítimas.
O Ministério Público estadual descobriu pelo
menos oito mortes não contabilizadas na
estatística oficial da tragédia.
Cristina Ávila ,da equipe do Correio.

Sergio Amaral.

Zilda era a funcionária Responsável pela faxina da casa que abrigou os contaminados: contraiu câncer. O césio 137 ainda faz vítimas em Goiânia. Investigação feita pelo Ministério Público de Goiás desde março aponta pelo menos oito novas vítimas fatais do maior acidente nuclear da história do Brasil, ocorrido em 1987. Nenhuma delas está incluída na relação de dez mortos reconhecida oficialmente.

‘‘Essas pessoas estão morrendo à míngua’’, afirma o promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, responsável pelo levantamento.
Os casos descobertos agora são de funcionários civis e militares convocados para remoção do lixo atômico e segurança das áreas de risco. Fazem parte de um universo de 616 pessoas envolvidas nesse trabalho.

O Ministério Público quer incluir todos na lista de vítimas do césio. Foram ignorados num cadastro feito logo após o acidente, que registra outros 600 nomes de servidores públicos e moradores das áreas atingidas.


O governo estadual prepara uma revisão da lista de atingidos pelo césio com base nas informações do Ministério Público. ‘‘Ainda não sabemos o tamanho real do problema, mas até o final do ano assinaremos um documento que vai acrescentar outras vítimas do acidente nuclear’’, diz o chefe do Gabinete Civil do governo de Goiás, Jonathas Silva.


A nova relação será decidida pela Superintendência Leide das Neves, órgão estadual criado no início de 1988 para acompanhar os acidentados. ‘‘Devemos incluir todos os policiais e funcionários civis que trabalharam no isolamento da área e no depósito de lixo atômico, mesmo sem sintomas de doenças’’, afirma a médica oncologista Maria Paula Curado, superitendente da Leide das Neves.


O levantamento do Ministério Público aponta 379 PMs, 220 servidores do Consórcio Rodoviário Intermunicipal (Crisa), 15 bombeiros e duas garis da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurb). Ferreira Alves propõe o pagamento de pensões vitalícias de R$ 360,00 para os civis e uma promoção de três patentes para os militares. O benefício depende de aprovação da Assembléia Legislativa de Goiás e seria concedido também aos filhos dessas pessoas nascidos depois do acidente.


Na última semana, o Correio Braziliense visitou três pessoas doentes que fazem parte da lista do Ministério Público. Uma delas, Zilda Maria de Jesus, 49 anos, tem câncer no cérebro e no pescoço. Fez quatro cirurgias esse ano e não tem mais esperança de vencer a doença. Nilton Pereira, 56 anos, também tem câncer no pescoço. O soldado Marques de Souza Rodrigues, 37 anos, tem câncer no cérebro. Júnior, filho dele, nasceu com má-formação em uma das válvulas do coração.


Além das oito novas mortes documentas pelo Ministério Público, levantamento feito pelo Crisa contabiliza mais três vítimas fatais. Também serão analisadas pelo governo.

“EU DRIBLEI A IMPRENSA”

A tragédia do césio foi maquiada.
O responsável pela coordenação dos funcionários públicos que faziam a remoção do lixo atômico, Mário Rodrigues, conta que na época os jornalistas foram enganados.
“Muitas vezes eu driblei a imprensa. A gente desligava os aparelhos que mediam índices de contaminação quando os jornalistas chegavam, e dizia: tá vendo, não tem irradiação, o alarme não disparou.

Os repórteres não entendiam nada, tinham que acreditar”
Eram divulgadas informações erradas. ‘‘Uma vez, um dos caminhões com lixo radioativo tombou e a televisão ficou sabendo. Imediatamente, nós deixamos escapar uma notícia falsa do local do acidente. Todos foram para o lugar errado.’’ Mário não sabia sobre os danos do césio. Ele mesmo se expôs à radiação.


Memória.

O INFERNO ERA AZUL.

Júlio Alcântara 6.10.87
Fiscal mede irradiação de uma criança vizinha a área exposta ao césio, em Goiânia

13 de setembro de 1987
Dois catadores de papel encontram um equipamento médico no prédio em ruínas do Instituto Goiano de Radiologia.Furtam um cilindro que faz parte do aparelho, onde está o césio 137, e o levam para a rua 57, casa de um deles. Passam muitas horas dando marretadas no cilindro. No mesmo dia, os dois começam a passar mal, com diarréia e vômitos intensos.


14 e 15 de setembro.
As diarréias e vômitos melhoram, mas queimaduras se multiplicam pelo tórax, braços e pernas. Os cabelos começam a cair.

18 de setembro
Roberto e Wagner vendem o cilindro para o dono do ferro-velho da rua 26, Devair Alves Ferreira. Ele percebe que irradia uma luz diferente, e resolve guardá-lo dentro de casa.

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