Literatura - 12- O Tálamo...

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Em casa comecei a trabalhar com a mente para desvendar os mistérios que cercavam a máquina, ou melhor, a cama. Quanto mais soubesse mais segurança teria. Descobri depois de algum tempo que os três espaços que ficavam nas bordas do grande triangulo funcionavam como uma escala de tempo. As três meias luas eram divididas em seis partes. Começava em uma escala de dez e ia dobrando no sentido anti-horário até a ultima da esquerda que correspondia a trezentos e vinte anos. Para datas intermediarias ainda não sabia como o controle funcionava. Mas devagar, estava ficando bom naquilo. Comecei a fazer viagens para o passado e para o futuro. A única coisa que me tolhia à liberdade era o medo de se afastar muito da cama, quando estivesse em lugares desconhecidos. Estava amarrado a um sistema e não tinha autonomia para fazer o que queria. Na verdade ela não saia do lugar físico e sim no tempo. Então estava enganado quanto a viagem anterior onde pensei ser a Africa e certamente que não eram leões que vi por lá. Poderia uma hora estar dentro de um edifício, como no leito de uma rodovia ou em um campo, mas o ponto de referencia físico era somente um. Daí me ocorreu uma ideia um pouco arriscada, mas teoricamente poderia funcionar. Quando chegasse a algum lugar do futuro ou do passado, poderia mandar a cama para casa e ficar em poder do controle. Quando precisasse, acionava o dispositivo e a traria de volta para mim. Parecia um bom plano. Se, porém houvesse um pequeno erro, me perderia para sempre, em outra época, como acontece com muita gente que some de repente e vira pó.
Lembrava-me o tempo que trabalhei na empresa. Tudo cheio de normas para nos controlar. Descobri que neste mundo as coisas parecem que funcionam sempre dessa forma. Seguimos normas invisíveis e nem sempre nos damos conta delas. Mas elas estão aí agindo a cada minuto, a cada segundo em nosso dia a dia. E se quebramos a sequência ou mudamos sua rota, a consequência não é nada bom. Os estudiosos chamam isso de teoria do caos. É a ideia que tudo que acontece é resultado de uma ação inicial. Daí dizerem que para cada ação há uma consequência. Pensando bem nisso, vemos que não existe uma liberdade real de ação para o humano. Ou melhor, ela é condicionada a algo bom ou ruim. E a porcentagem de o ruim ganhar, é sempre maior. Faça um teste e aposte na loteria, por exemplo. Digamos que ganhar é o bom e perder é o ruim. Tem gente que aposta a vida inteira e não ganha. E se alguém ganha, esse alguém será um ou dois entre milhões de apostadores que perderam. Outro exemplo é: Pegue dez pedras,coloque uma lata a distancia de dez metros. Atire as pedras uma por uma, com calma e numa sequência. Depois conte quantas vezes acertou a lata.Verá que a quantia de erros é bem maior que os acertos. Temos o direito e a liberdade de tomar uma atitude ou fazer uma escolha. Mas não temos o direito de saber se nos trará benefício ou não. É por isso que a vida as vezes dá uma guinada, devido a nosso livre arbítrio. Viver é um risco.
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Certo domingo chuvoso estava só em casa e resolvi fazer uma viajem. Deitei na cama e apertei o controle para oitenta anos rumo ao passado. Nos tempos idos, teria mais controle sobre as coisas, do que no futuro desconhecido. Agora já levava sobre a cama alguns utensílios como ferramentas, cobertas e alguma coisa para comer. Apareci em um campo verde. Próximo dali havia uma pequena colina com uma casa no topo. Lembrei que perto de minha casa tinha também uma colina , embora mais baixa, onde tinha no topo uma igreja. 


Ao lado da casa em um varal, secavam roupas coloridas, balançando ao sabor da brisa morna da tarde. Desci da cama e acionei o controle para ela voltar ao presente. Ela imediatamente sumiu e certamente foi para o meu quarto. Marquei bem o lugar para o caso de uma emergência, não ficar procurando a esmo. Coloquei três pedras formando um triângulo onde a máquina ficara. Um calafrio percorreu minha espinha ao me sentir só. Tinha a impressão de estar a beira de um abismo e um passo em falso cair para as profundezas. Ao mesmo tempo lembrei que se queria ser um aventureiro, teria que enfrentar o que viesse , sem medo e com ousadia, mesmo que com isso perdesse a vida. Mas faria tudo o possível para não chegar a tal extremo. Queria morrer de velhice. Coloquei o controle no bolso, lembrando que ali estava o único elo que ligava ao meu mundo, o presente. Tentei não pensar nisso e sai caminhando devagar em direção a casa. As roupas no varal me acenavam com sinais de paz. Um cão começou a latir por trás da casa. Logo ele apareceu em disparada e em minha direção. Peguei no controle e fiquei em estado de alerta com o coração batendo na garganta. Esses bichos costumam atacar estranhos sem dar chance alguma. Estava a cerca de vinte metros onde a cama deveria aparecer, se a acionasse. Não daria tempo de chegar até ela se o cão me atacasse. Eu não tinha sorte com cachorros. Quando criança um me atacou, o que resultou em uma cicatriz no braço. Fiquei ali parado esperando para ver a reação do animal, olhando para ver se achava alguma pedra para me defender em caso de ataque. Felizmente, quando ele se aproximou, começou a agitar o rabo me festejando. Parecia que eu era um velho conhecido. Ele era um cão bonito, bem cuidado, grande e do focinho fino. Chegou junto e me lambeu a mão. Respirei aliviado. Se tivesse algum problema cardíaco ficaria por ali mesmo. Mas já tinha passado o perigo. Pior do que aquilo talvez não acontecesse. Devagar me aproximei da casa com o cão ao lado. Passei pelo varal e procurei chegar até a porta, que parecia ficar do lado oposto. Parecia ser uma entrada nos fundos que dava acesso a cozinha. Não vi outra. Senti cheiro de fumaça, certamente de um fogão a lenha. Não cheguei a bater na porta para ser atendido. Quando ergui a mão, a porta se abriu e apareceu uma bonita loira que me deixou de boca aberta, e cara de abobalhado. Não imaginava encontrar por ali gente tão bonita. Em um lampejo de memória, lembrei de Beatriz, que agora estava no limbo da obscuridade e que perdia feio, frente a esta beldade. Ela deu um gritinho de alegria e pulou em meu pescoço. Senti uma gostosura macia me envolver. Abracei-a de modo respeitoso, afinal não sabia quem era. Nessas alturas, ela poderia agir como se fosse uma filha, assim como o cachorro achou que me conhecia. Mas logo essa ideia desvaneceu, quando ela encheu minha boca de beijos, de esposa ou amante, sei lá. Daí aproveitei e fiz um reconhecimento geral com as mãos, como se estivesse pegando em uma joia preciosa.
----Por que demorou?---ela me perguntou. Obviamente eu não sabia a resposta. Arrisquei:-
----Houve alguns problemas.
----Resolveu cortar o cabelo?Ficou esquisito , mas está bom. ----Falou, passando a mão em minha cabeça. Certamente que o meu corte de cabelo não combinava com a moda da época.
----Que tipo de problemas? ---Disse ela, voltando ao assunto. Mais uma pergunta difícil.
----Há... Já está tudo resolvido... Depois eu conto. ----Disse eu sem desvencilhar de seus braços carinhosos. Devagar e grudada a mim ela me arrastava para uma porta que deveria ser a do quarto. Eu gostava da situação. Estava me sentindo um rei. Apareceu uma cama larga, e ali rolamos nas loucas ondas do prazer. Ela era sensacional. Toda redondinha, tinha a pele macia como o veludo e quente como o bafo do fogão. Naqueles momentos, esqueci-me de muita coisa. Da viagem e dos anos em que estava. Encontrava-me, tirando do passado, não uma lembrança fictícia, mas algo real e palpável. Quando já estávamos navegando em águas calmas, quando se fica olhando para o teto em um relaxamento total, o cão latiu do lado de fora. Ela num sobressalto, sentou na cama e rapidamente se vestiu. Parecia uma fada na delicadeza e agilidade com que manuseava os botões e as dobras.

----Chegou alguém--- disse baixinho. Eu assenti com a cabeça e ela foi até outro cômodo. Ainda com a calça na mão, olhei pela janela que dava para os lados do varal, e vi um homem se aproximando com o cão repetindo a festa que fizera comigo. Fiquei gelado ao perceber que o individuo era a minha cara e o meu corpo. Apenas estava com os cabelos compridos,com roupa diferente e usava um chapéu. Em um segundo minha cabeça trabalhou e veio mais rápida a resposta. Certamente que seria o marido que voltava. A moça deveria estar indo em direção a porta, para atendê-lo. Sem pestanejar, quando ele saiu de minha visão atrás da casa, pulei rapidamente a janela e atravessei a área do varal a toda velocidade. Apertei o controle e a cama apareceu a dez metros. Pulei sobre ela e parti dali. Não sei o que houve entre os dois. A moça deve ter ficado bem embaraçada. Apareci em meu quarto, deitado na cama, pelado da cintura para baixo, com a calça em uma mão e o controle em outra. Apesar do sufoco e risco, estava gostando da coisa. Respirei fundo e fui até a cozinha tomar uma água gelada.

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