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Embora
faltasse alguma coisa, tinha por outro lado compensações, como a
total liberdade. Sentir-se livre é como ter asas para voar até
para onde bem entender. Certa tarde quando voltava do trabalho com a
cabeça vazia de problemas e os pensamentos absortos em banalidades,
tive uma surpresa quando cheguei a casa. Em meu quarto, amontoado
sobre minha cama, estava outra meio atravessada, bloqueando a
passagem no pequeno espaço. Fiquei pasmo ao ver que era a velha cama
que tinha retornado. Uma luz raiou dentro de mim como uma aurora
prometedora. Fui conferir o móvel e estava tudo ali. Até o
importante controle estava encaixado no devido lugar. Passada a
euforia, fiquei desconfiado e comecei a analisar o porquê daquela
cama ter voltado logo ali. Mil ideias passaram pela cabeça. Poderia
ser um erro dos alienígenas que ocasionou a volta da cama, poderia
ser uma armadilha para me vir buscar ou outras dezenas de
possibilidades. Mas a velha atração pelo ter e pelo poder amainava
outras paixões mais sensatas e vinha novamente o plano de roubar
outro banco. Só que agora teria que agir sozinho, o que seria bem
mais difícil. Mesmo assim não desanimei. Ajeitei os moveis para
sobrar espaço para a cama. Parecia que dois velhos amigos se
encontravam depois de uma longa ausência. Nessa noite não consegui
dormir direito, de tanto as ideias borbulhavam na cabeça e tiravam o
sono. O dia seguinte seria uma sexta feria. Sábado e domingo não
trabalhava o que daria para experimentar o tálamo em algumas viagens
de teste. Nunca um fim de semana foi tão ansiosamente esperado como
esse. Pretendia se necessário usar todas as economias para levar
avante o projeto. Estava me tornando inconscientemente um capitalista
moderno. Gente que sempre desprezei pela cultura da ganância e de
tirar proveito em tudo. O vislumbre da riqueza, transforma o homem em
um elemento fragilizado e susceptível de ser vítima. É nisso que
os estelionatários apostam e trabalham. Conferi minuciosamente o
móvel, para detectar alguma coisa diferente. Parecia tudo igual à
antes. No sábado de manhã, me preparei para acionar o controle e ir
ate a época onde estava o grande banco. Quando lá chegasse teria
ainda que viajar até a metrópole, para verificar os detalhes. Era
onde estava a financeira. Qual não foi minha surpresa ao apertar o
controle e aparecer em um lugar completamente diferente de antes? A
primeira ideia foi que os malditos alienígenas tivessem alterado as
coisas. Entre um mistifório de raiva e medo, fiquei parado por um
tempo, analisando a situação que estava e o que poderia ter
acontecido. A cama estava ali e o controle também, em minha mão.
Verifiquei bem a data em que estava antes da viagem e apertei o
controle para voltar. Poderia ser que tivesse errado em alguma
coisa... Nada aconteceu... O tálamo nunca pareceu tanto com um
móvel. Fiquei mais nervoso ainda, na expectativa de ficar por ali.
Era a causa maior de meus temores. De repente aconteceu uma coisa
imprevisível e que me deixou a beira de um ataque de nervos. Uma
força parecendo magnetismo arrancou o controle de minha mão e foi
puxado violentamente para o encaixe da cama. Depois disso a cama
ficou com uma luz azulada e lentamente foi desaparecendo como se
fosse passado uma borracha em um desenho. Prevendo a desgraça, me
agarrei a ela o mais rápido que pude e terminei sentado na areia
quente. Ela se desmaterializou e não fui junto.. Logo desapareceu
por completo e eu me senti terrivelmente só. Atormentado pela
situação lembrei-me de Aristides, que certamente passou pelo que
eu estava passando. ”Nossos pecados, pagamos aqui mesmo”,
pensei. Procurei controlar os nervos e manter a calma. Para isso
sentei-me em um bloco e fiquei tentando recompor o espírito. Não
adiantava alimentar o desespero e a angustia, naquele momento
critico. Teria que saber agir e estudar onde estava antes de tomar
alguma atitude. “Mas que atitude?”Pensava comigo. Fiquei ali
sentado por varias horas. Não tinha coragem de me levantar e seguir
uma direção. Não tinha para onde ir. Com o passar do tempo fui me
acalmando devagar e cheguei à conclusão que nada poderia fazer,
estava à mercê do destino. Comecei a reparar na paisagem que me
cercava. Estava sentado no meio de um caos de blocos de concreto,
entulho, construções demolidas, com alguma coisa ainda em pé,
parecia um cenário de cidade bombardeada ou o que tinha restado
depois de um grande terremoto.
Não dava para definir se aquilo tudo
fora uma cidade ou uma enorme fabrica, pois tinha tanques tombados
escadas de metal que levavam ao nada e restos de prédios
esburacados. Algo me dizia que devia sair dali, embora a área fosse
enorme. O sol que antes de sair de casa era da manhã, agora parecia
ser da tarde. As sombras se alongavam por entre os escombros. Ouvi ao
longe o que parecia uivos de cachorro, o que me deixou alerta, pois
poderiam ser lobos. Ultimamente não estava tendo muita sorte com
lupinos. Não daria tempo de sair do lugar antes que anoitecesse, daí
procurei um lugar para me proteger. Depois de muito andar pulando
blocos e tropeçando em concreto, achei uma espécie de plataforma
coberta por uma laje, de uns quatro metros de altura, onde o acesso
era somente por uma escada de metal enferrujada e torta. Ali em cima
estaria seguro para passar a noite. Além de pedaços de madeira e
restos de construção, tinha também algumas latas com rótulos
indecifráveis. Algumas estavam intactas e resolvi abrir uma para
verificar o que era. Parecia solvente. Por sorte em minhas últimas
viagens sempre saia com minha pequena mochila as costas,com coisas
úteis. Estava ali com ela. Trazia minha arma, uma caixa de
projéteis, um canivete, um isqueiro, um pedaço de corda, além de
alguma coisa para comer e água mineral. A experiência me ensinara
que essas coisas são necessárias em certas circunstâncias. Fiz um
teste com uma ripa molhada com o solvente que prontamente virou uma
tocha ao atear fogo.
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