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Forçando
um pouco a vista pela claridade ofuscante, vi montanhas azuladas ao
longe, pelo lado do suposto norte. Nas proximidades onde estava nada
existia de verde. Sequer um pé de urtiga, tinha ali. Embora
estivesse em um deserto a primeira vista, o ar era fresco e
agradável. O sol não aquecia tanto quanto a característica do
lugar. Talvez pelo fato de ser a parte da manhã. Fala-se em deserto,
pensa-se em calor escaldante. Depois de muito pensar comecei a
caminhar em direção as montanhas. Elas poderiam estar a duzentos
quilômetros dali, mas eu sabia que lá teria água e o resto de
elementos que permitem a sobrevivência do homem. Andando, vinha
aquela sensação angustiante de estar bem distante de casa. Uma
tristesa enorme abateu sobre mim e comecei a chorar, pensando na
minha vida que ficou para traz e na minha rotina. Indiferente, um
pequeno gavião piava incessante, fazendo círculos no profundo azul
celeste. Comecei a observá-lo e daí notei que no céu mais para o
lado oeste, aparecia a imagem de duas luas em fase minguante. É
quando se parece com uma banana. Uma era maior que outra. Daí que
fiquei completamente alucinado, pelos pensamentos vindo em
turbilhões, tentando achar uma explicação para aquilo. Enquanto
ouvia o barulho de meus passos na areia seca,cheguei a uma conclusão.
De duas coisas é uma: Ou estou completamente louco e tendo visões,
ou estou em outro planeta. Isso porque a terra tem somente uma lua.
Olhei novamente torcendo para ver uma lua somente, mas lá
continuavam as duas, uma a certa distância de outra. Interessante
como somos avessos a mudanças rápidas e repentinas. Eu sou assim.
Tenho que estudar e planejar muito bem as coisas, antes de pô-las em
execução. Depois de alguns brados de revolta para o infinito de
areia e céu azulado, ainda com os olhos marejados, vi ao longe,
distorcida, uma pequena revolução de pó, sinal que alguém vinha
em minha direção. O redemoinho foi aumentando e logo já se
distinguia um ponto escuro parecendo ser um veículo. Animei-me um
pouco, mas ao mesmo tempo pensei que poderia ser algo hostil. Mas ali
para se esconder, somente se me enterrasse na areia. Não tinha para
onde fugir e pelo lugar inóspito não tinha onde ficar. O jeito era
esperar e ver o que aconteceria. Tinha que ser melhor do que morrer
com a boca cheia de areia e com uma sede implacável. Com o coração
acelerado vi se aproximar uma espécie de camionete, cheio de
mulheres todas fardadas. Era uma roupa que consistia em uma calça
amarelada cheia de recortes e uma camiseta da mesma cor. Tinham nas
mãos fuzis, o que me deu a ideia de ser uma patrulha do deserto.
O
único ponto interessante, era de serem mulheres. Fiquei mais
tranquilo em ver que não estava no meio da África. Elas desceram
rapidamente e me cercaram apontando suas armas. Esperei parado,
alguma comunicação ou algo parecido. De repente sem ver, levei uma
coronhada na nuca que me atirou no chão atordoado. Enquanto uma
pisava em meu pescoço, outra me revistava todinho. Fiquei esperto e
temeroso que o meu fim estivesse próximo. ”Não tinha sorte com
elas, mesmo”, pensei. Eram em número de cinco. Uma dirigia, outra
coordenava e três obedeciam. Falavam uma língua desconhecida, algo
parecido com os idiomas do leste europeu. Depois de algum tempo com a
cara na areia, me levantaram de maneira bem estúpida e me empurraram
até o veiculo. “Pelo menos não vou morrer agora”. Pensei
comigo. Tomaram posse de minha mochila e olharam minha arma com
curiosidade, como se fosse algo muito antigo. Me sentaram no meio de
duas moçoilas reforçadas. O espaço era pequeno e elas pareciam não
se importar em fazerem de mim um sanduíche. Não tinham também
aquele cheiro maravilhoso e característico das mulheres que conhecia
e que tanto amava. Já sentia saudades de minha casa. Um nó formou
em minha garganta. Fomos em direção às montanhas. Eu estava no
rumo certo ao me dirigir para lá. De repente um solavanco maior que
o necessário nos jogou fora do veículo. Antes de cairmos fora, eu
já estava começando a desconfiar que a velocidade do veículo
superava os limites do terreno. Na queda, fui amortecido pela areia
solta e pelo corpo macio de uma que estava ao meu lado. Ela não teve
tanta sorte e ficou imóvel depois da queda. Deitado de costas,
naqueles segundos, ainda olhei para o céu e vi o gavião em suas
infindáveis planagens, tecendo uma espiral invisível no azul
profundo. Aproveitando que todas estavam confusas pela queda, usufruí
da oportunidade para fugir. Era um boa hora, visto que todas estavam
meio atordoadas e provavelmente não conseguiriam me acertar um tiro.
Só ficou no veículo a motorista, que freou depois de uns vinte
metros e se preparava para voltar acudir as companheiras. Das outras
quatro, uma estava desmaiada, e outras três tentavam se recompor
tirando areia da farda. Disparei em uma corrida, para ver se
conseguia escapulir. Ao mesmo tempo, pensei que poderia ser alvejado
facilmente por elas. Mas a trajetória foi muito curta. Depois de uma
dezena de metros a areia me sugou para baixo e desci num turbilhão
avermelhado por alguns segundos, prendendo a respiração para não
me afogar e fechando os olhos para não ficar cego. Caí sobre o
monte de areia formado pela própria avalanche que fazia parte.
Quando me dei conta, estava dentro de uma caverna, onde a única luz
vinha do buraco acima por onde caí. O ar era fresco mas tinha um
odor estranho semelhante a amônia. Pensei que poderia ter milhares
de morcegos pendurados no teto enegrecido pela falta de luz. Ainda me
recuperando da queda e verificando que nada tinha quebrado em meu
cansado corpo , senti uma presença estranha e um arrepio percorreu
minha dorsal,como uma prevenção, que aquilo não era bom. Algo
enorme e vagaroso se mexia em minha direção. Meus olhos
desacostumados com a escuridão não podia ver com detalhes o que
realmente era. Procurei na cintura a arma que trazia e nada achei.
Daí lembrei que elas tinham me tirado, antes de sairmos em disparada
naquele jipe tresloucado. Na penumbra da claridade vinda do buraco
por onde caí ,que me deixava parecido com um ator de teatro debaixo
do holofote,visualizei uma terrível criatura parecida com um
escorpião, com as pinças e tudo mais. Imaginei o tamanho do ferrão
que deveria estar na ponta da cauda.
Veneno deveria ter de sobra para
matar-me em minutos. Isso se não fosse cortado ao meio pelas pinças,
que abertas, davam uma tesoura de um metro. Na testa do monstro
brilhavam vários olhinhos brilhantes e sinistros. Não tinha para
onde correr. Saindo do circulo de luz que vinha do exterior, era
somente uma densa escuridão tenebrosa. Comecei a pedir a Deus que me
perdoasse os pecados e recebesse minha alma, já que parecia ser
aquela hora, a ultima de minha passagem pelo mundo dos vivos. Aí
fiquei ainda mais confuso. Não tinha certeza se estava na face da
terra. Da boca do buraco formado pela minha queda, alguém tentava me
dar orientações, mas na confusão misturada com o medo e a
linguagem desconhecida de nada adiantava. Na primeira investida da
enorme pinça, consegui me desviar por centímetros. A foice dentada,
parecendo aço, tirou areia de perto de meus pés,levantando poeira.
Teria que ficar atento para as duas pinças. Entre o primeiro e
segundo ataque, caiu em meu ombro uma coisa mole e com cheiro
esquisito. Não conseguiu se firmar devido ao impacto da queda e caiu
no chão aos meus pés. De relance, notei que era um enorme rato
cinzento. Pensei comigo: ----Chegou a sobremesa.
O
tempo nessas ocasiões , fica se movendo com mais lentidão. Igual
aqueles sonhos que a gente procura desesperadamente correr e as
pernas não obedecem. Parece que também o monstro, ao ver o rato
parou por um instante para estudar nova estratégia de ataque. Mais
uma coisa caiu com força em minha costa e minha garganta desprendeu
um grito de dor. Era uma corda grossa. O pessoal de cima, tinha
jogado, na esperança de me resgatar. O roedor avançou calmamente em
direção ao gigante hipnotizado, ignorando os bufos e o mau hálito
vindo de sua boca disforme. Subiu por uma das patas e o bicho parece
que não tinha meios de o enxotar. Enquanto isso eu aproveitava o
tempo, para amarrar a corda por baixo dos braços. O rato nessas
alturas alcançou a boca do monstro e rapidamente entrou nela sem
cerimônia. Fiquei aturdido com aquilo, não entendendo o que estava
acontecendo. A turma de cima, começou a me puxar lentamente. Já
estava a dois metros do chão quando escutei um baque surdo e ainda
vi sair fumaça da cabeça do escorpião gigante. Este tombou pela
lateral e caiu com fragor batendo o exoesqueleto como uma lataria
de carro nas rochas, levantando um nuvem de poeira do chão. Passando
mal com a corda apertando o meu peito, eu tentava respirar e ao mesmo
tempo via a claridade aumentar por cima de minha cabeça. As moçoilas
me pegaram com força e me jogaram na areia a borda do buraco.
Ninguém se incomodava se eu estava passando mal ou bem .Enquanto uma
apontava a arma em minha direção, outra soltava a corda do meu
peito, causando um alívio, com meus pulmões podendo receber o
precioso ar normalmente. Ninguém comentou nada e nada foi dito a
respeito , mesmo entre elas. Pensei comigo: “Nunca fui tão
desprezado como agora.” Mas podia deduzir que não queriam me
matar, pelo menos por enquanto.Todo dolorido da queda e dos maus
tratos impostos por elas, fui jogado dentro do veículo. Êste voltou
a sacolejar novamente e eu deitado no assoalho duro, consegui ver que
aquilo era uma felicidade, considerando o que tinha a pouco passado.
Lembrei do rato e do monstro. Cheguei a conclusão que o rato deveria
ser um robô bomba. Se ligava o bicho e ele se direcionava para o
alvo. Na minha imaginação meio turva pelas dores,vi o rato entrando
por entre a fila de clientes de um grande banco e indo diretamente ao
enorme cofre cheio de notas verdes. Certas coisas, nem é bom pensar
em mudar de lugares ou épocas.
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Depois
de uma hora de viagem cheia de solavancos e a toda velocidade,
chegamos a um pequeno vilarejo militar. A que comandava disse alguma
coisa as outras e duas me pegaram aos empurrões e me levaram até
uma construção de pedra. Ao entrarmos, notei que o ar ali era quase
frio e tinha cheiro de sujeira. Não demorei em descobrir que era
uma prisão. Tinha uma sala grande na entrada com uma porta no
centro. Essa porta dava para um corredor onde estavam as celas. Eram
três de cada lado. Lembrei–me das historias que contavam das
prisões do meu país e um frio percorreu minha espinha. Se ali
fosse igual , estaria perdido. Era tudo construído de pedras enormes
onde só passava o frio e nada mais. Ao passar no corredor, olhares
curiosos me observavam...Nada diziam. Era o mais profundo silêncio.
Jogaram-me na ultima cela da direita e o ultimo som foi o bater da
porta de ferro. Fiquei ali em pé esperando, os olhos acostumarem com
a escuridão. Tentava não deixar meus pensamentos caminharem para o
desespero.
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