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Chegando
a hora de fechar, ajudei-a a baixar as portas e antes de ir ela
perguntou ainda meio assustada:--E
o que vamos fazer agora?---Nada...
Não existe nada que possamos fazer a não ser esperar. ----A tarde
desvanecia com a preguiça dos dias quentes. Valdívia pegou seu
rumo e eu voltei também para casa. Lá estava um silencio
angustiante sem a presença de minha querida. Faltava um movimento,
um ruído ou algo que denunciasse os tão familiares ir e vir das
mulheres. Já tinha passado pela experiência varias vezes, mas não
era afeito aquilo. Parece que o meu destino era como um reprise.
Adeus, perdas,solidão.Em minha memória procurava uma brecha no
conturbado passado para descobrir uma pista de esclarecimento.
Lembrei do médico que me deu assistência, tentando achar uma
ligação sobre a pequena cápsula que ele tirou de minha virilha.
Aquilo deveria transmitir um sinal, o que fazia que os alienígenas
me encontrassem. Na ausência dela em meu corpo eles certamente se
orientaram pela Ísis. Ela deveria ter um transmissor também. Nunca
soube e nunca iria saber o propósito de tudo, já que perdera de
vez o contato, sem a cápsula e sem a moça. Os dias foram passando e
como o tempo tudo ajeita, logo estava tocando a vida quase que
naturalmente. Ísis continuava presente apenas nos meus sonhos e na
saudade apertada. Arrumei uma empregada que tomava conta de minha
casa. Chegava de manhã e ia embora à tarde. Era uma senhora negra
de idade indefinida, prestimosa e que gostava do serviço pela
leveza e pouca gente. Eu estava participando mais na loja, e os
negócios iam relativamente bem. Nas horas ociosas do comercio eu
contava minhas historias a Valdívia, como se fosse uma grande novela
,pingando um capitulo ou dois, por dia. Com o tempo a moça passou a
ter mais confiança em mim e ficamos mais amigos. Já fazia dois anos
que Isis se fora. Quando sua lembrança aflorava, sentia um nó na
garganta e vinha uma angustia tão grande que não dava para dominar
a vontade de chorar. Chorar pela perda e também pela incapacidade de
poder fazer algo. Choro de frustração. Um dia quando cheguei à
casa a tarde, notei que na limpeza feita pela empregada, ela
encontrou em baixo de algum móvel uma revista e a deixou sobre o
criado mudo. Era uma velha revista sobre carros. Notei
que ela passou um pano úmido na capa da frente, mais exposto ao
pó, e tinha ficado alguns sinais demarcados indeléveis, parecendo
que alguém tentou escrever algo com as unhas. Aproveitando a última
claridade do dia, fui até a janela para observar de outros ângulos.
Começava com um “E”grande, seguido de um “u” menor. Era a
palavra “Eu”. Movimentando o papel para variar os reflexos,
descobri mais embaixo “volto I”. Demorei em perceber que era um
recado deixado há dois anos. O “I” poderia ser de Ísis. Outro
dia levei a revista para mostrar a Valdívia. Ela concordou
plenamente comigo, que se tratava de um recado. Desse dia em diante,
fiquei com mais uma perturbação na cabeça. De certa forma, uma
perturbação gostosa, pois nela havia a esperança. E onde há
esperança há força. De certa forma estava mais animado depois que
vi o recado. Nas noites mais límpidas, ficava horas observando as
estrelas e imaginando onde poderia estar a mulher que mais tinha se
adaptado comigo. Minha obsessão agora era observar o céu. Sem
querer, me flagrava olhando para o alto, no escuro do quintal.
Cheguei a quebrar a lâmpada do poste, na rua em frente, para não
atrapalhar minhas sondagens noturnas. Confessei a Valdívia que
estava ficando obcecado e talvez louco por tudo aquilo.--O
senhor deve gostar muito dela. Acho isso muito bonito, mas também é
perigoso apostar tudo num sinalzinho em uma revista. Sem ofender,
acho bom consultar um psicólogo.---Já
passei por coisas piores e não precisei de psicólogos.---Você
não entende. ----disse ela com firmeza. ----Essas coisas a gente não
percebe. E desde o dia em que me mostrou a revista, o estou vendo
diferente. Isso é como uma depressão. A gente não percebe da
primeira vez. Por isso que é importante me dar ouvidos.---Está
bem... -----Disse eu. ----- Chego nele e conto tudo que contei a
você. Daí ele me encaminha para um psiquiatra porque terá certeza
que estou louco mesmo. Porque isso é historia de louco, moça.
----Mais ponderada ela respondeu.---E
verdade... Acho que até eu sou louca em acreditar em tudo isso.Nessa
noite me esforcei para não sair fora como de costume. Analisei-me
bastante e acabei dando rasão a Valdívia. Ela era um moça sensata
e certamente que queria o meu bem. Iria tentar esquecer aquilo.
Talvez pudesse até ser algo criado por mim mesmo. Dizem que a
obsessão cria imagens que passam a ser verdadeiras em nossas
cabeças. Os psicóticos sabem disso. Tentei pensar em outras coisas,
treinar a cabeça para desviar os pensamentos daquilo, já que nada
poderia fazer e tão pouco esperar por algo incerto. Os dias foram
passando e eu fui melhorando.Em
frente à lojinha tinha uma padaria cujo proprietário era um
português simpático. A gente mantinha um relacionamento comercial.
Quando alguém precisava trocar algum dinheiro, outro sempre acudia.
Era só atravessar a rua. O filho dele ajudava nos afazeres do
comercio e sempre estava presente quando Valdívia ia trocar
dinheiro. Vez ou outra ele fazia algum tipo de gracejo com a moça e
ela me contava prontamente. Eu brincava com ela, vendo a
possibilidade de namorar o rapaz, já que chamava sua atenção. Ela
desconversava e dizia que não era o seu tipo. Certo dia quando
voltei do almoço havia um alvoroço na padaria, com a polícia
cercando a área e uma pequena multidão de curiosos se atropelava em
volta. Do meio, saía gritos de desespero e aflição.
Entrei na minha loja e vi a funcionaria assustada.---O que aconteceu? ----Perguntei antevendo uma desgraça.---Assaltaram a padaria e mataram o filho do seu Manoel. ----Respondeu ela chorando e me abraçando. Coloquei-a sentada e procurando acalmá-la dei um pouco de água. A ambulância estava chegando e mesmo por trás do som estridente da sirene ouviam-se os brados de tristeza do velho padeiro. Passava por uma situação terrível. Sob os protestos da moça que não queria ficar só, fui rapidamente até a padaria oferecer ajuda, caso precisassem. Não havia mais o que fazer. Sou péssimo em dizer palavras de conforto. Principalmente num caso como aquele. Quando voltei, a moça continuava nervosíssima e chorando. Tentei acalmá-la conversando com ela e a dispensei para ir embora mais cedo.--- Mas... E a loja ?----Eu tomo conta... chamo um táxi para você e amanhã será outro dia. O tumulto na rua já tinha passado, restando apenas grupinhos de curiosos comentando o ocorrido. Logo veio o táxi pegar a moça e resolvi também fechar a loja mais cedo e ir para casa por as ideias em ordem. Comecei a avaliar a situação e cheguei à conclusão que minha loja também estava exposta aos bandidos. Hoje foi a padaria, daqui alguns dias poderia ser eu a vitima. Lembrei de minha arma que tinha ficado com as mulheres militares, lá não sei onde. Teria que arranjar outra para deixar na loja. Nunca gostei de ser vítima. Quando acontecem essas coisas em nossa frente é que vemos a fragilidade do sistema, que é montado sobre leis que não funcionam e favorecem mais os bandidos que nos mesmos. Temos por principio pensar que certas coisas nunca acontecerão conosco. E um pensamento erradíssimo, como já confirmei varias vezes. Outro dia não abriria a loja, em respeito ao filho do amigo padeiro. Teria que ligar pra Valdívia, avisando. Ainda restava uma parte da tarde e iria entrar em contato com um conhecido da empresa de segurança em que trabalhei e ver a possibilidade de arranjar outra arma. Ele por sua vez, tinha amizade com um policial que vendia a preços módicos, armas que afanava da delegacia. Dizia que ajudava o parco ordenado. Sai pensando na dor da perda que afligia o pobre português. O sol amarelado baixava devagar por trás da espessa poluição metropolitana. Iria até a casa do sujeito, porque sabia que nesses casos é melhor conversar pessoalmente. Hoje em dia, há escutas em todo canto. Quando voltei para casa já era noite e trazia escondida na cintura uma Mauser 712, e em uma pequena sacola de plástico, simulando uma compra em supermercado, vinha também duas caixas de balas. No dia seguinte levaria a loja e a poria em um lugar seguro e de fácil acesso. Meu sexto sentido dizia que minha loja seria a próxima.
Entrei na minha loja e vi a funcionaria assustada.---O que aconteceu? ----Perguntei antevendo uma desgraça.---Assaltaram a padaria e mataram o filho do seu Manoel. ----Respondeu ela chorando e me abraçando. Coloquei-a sentada e procurando acalmá-la dei um pouco de água. A ambulância estava chegando e mesmo por trás do som estridente da sirene ouviam-se os brados de tristeza do velho padeiro. Passava por uma situação terrível. Sob os protestos da moça que não queria ficar só, fui rapidamente até a padaria oferecer ajuda, caso precisassem. Não havia mais o que fazer. Sou péssimo em dizer palavras de conforto. Principalmente num caso como aquele. Quando voltei, a moça continuava nervosíssima e chorando. Tentei acalmá-la conversando com ela e a dispensei para ir embora mais cedo.--- Mas... E a loja ?----Eu tomo conta... chamo um táxi para você e amanhã será outro dia. O tumulto na rua já tinha passado, restando apenas grupinhos de curiosos comentando o ocorrido. Logo veio o táxi pegar a moça e resolvi também fechar a loja mais cedo e ir para casa por as ideias em ordem. Comecei a avaliar a situação e cheguei à conclusão que minha loja também estava exposta aos bandidos. Hoje foi a padaria, daqui alguns dias poderia ser eu a vitima. Lembrei de minha arma que tinha ficado com as mulheres militares, lá não sei onde. Teria que arranjar outra para deixar na loja. Nunca gostei de ser vítima. Quando acontecem essas coisas em nossa frente é que vemos a fragilidade do sistema, que é montado sobre leis que não funcionam e favorecem mais os bandidos que nos mesmos. Temos por principio pensar que certas coisas nunca acontecerão conosco. E um pensamento erradíssimo, como já confirmei varias vezes. Outro dia não abriria a loja, em respeito ao filho do amigo padeiro. Teria que ligar pra Valdívia, avisando. Ainda restava uma parte da tarde e iria entrar em contato com um conhecido da empresa de segurança em que trabalhei e ver a possibilidade de arranjar outra arma. Ele por sua vez, tinha amizade com um policial que vendia a preços módicos, armas que afanava da delegacia. Dizia que ajudava o parco ordenado. Sai pensando na dor da perda que afligia o pobre português. O sol amarelado baixava devagar por trás da espessa poluição metropolitana. Iria até a casa do sujeito, porque sabia que nesses casos é melhor conversar pessoalmente. Hoje em dia, há escutas em todo canto. Quando voltei para casa já era noite e trazia escondida na cintura uma Mauser 712, e em uma pequena sacola de plástico, simulando uma compra em supermercado, vinha também duas caixas de balas. No dia seguinte levaria a loja e a poria em um lugar seguro e de fácil acesso. Meu sexto sentido dizia que minha loja seria a próxima.
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