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Senti
um sol gostoso aquecer minha costa gelada pela água fria do rio.
Estava de bruços e alguém me apertava a costa com força, para
tirar a água dos meus pulmões. Vomitei certa quantia e comecei a me
sentir melhor. O ar que respirava, parecia que tinha a pureza das
coisas boas e vitais. Abri os olhos embaçados e vi junto a minha
cabeça, num ângulo fechado, pés pequenos que pareciam lindos, com
sandálias de salto vermelhas e unhas bem cuidadas da cor do ouro. Os
raios de sol da tarde faziam-nas reluzirem como se fossem metais
polidos. Sua pele não era branca como a dos anjos de Da Vinci,mas
de um leve tom que lembrava as morenas de minha terra. Sabendo que
estava dentro da água a pouco, ( eu tinha a certeza)nada nela estava
molhado ou fora de ordem. Mesmo na situação deprimente que me
encontrava, ainda conseguia ver a beleza das coisas, talvez pela
alegria impar de estar vivo. Depois de certo tempo, mãos caridosas
me viraram com a cara para cima. Percebi que era uma moça bonita e
tinha um leve sorriso no rosto, talvez por confirmar que eu estava
melhor e que sobreviveria, ou ainda, que a missão foi cumprida a
contento. Em minha mente ofuscada pelo esforço e pela quantia de
água ingerida,pareceu-me que a conhecia, mas não sabia de onde. De
repente, em uma clareada de memória, veio uma imagem de tempo
passado,quando fui socorrido em uma sarjeta fria e úmida.--Obrigado-----
disse eu----Acho que já a vi em algum lugar. Sempre que a vejo
estou enxergando mal. Mas sua beleza certamente ultrapassa a minha
falta de visão. ----Agora, a via de melhor ângulo e notei que usava
uma blusa clara, com mangas curtas e um decote avançado. Parece que
havia um talho na saia que deixava uma das bonitas pernas de fora,
quase encostando sobre minha cabeça. Estava de cócoras ao meu lado.
Senti também o seu perfume raro, suave e dominante que foi o que me
acionou a memória adormecida do passado.. Em minha boca, mesmo
depois de vomitar um volume considerável de água suja, ainda sentia
um sabor refrescante de menta que sobrepunha ao gosto de barro da
água do rio.--Faz
bastante tempo, hei PG.----Disse com familiaridade. ----E aprendeu
até ser galanteador.--É
mesmo?Acho que evoluí um pouco. Mas, satisfaça minha
curiosidade...quem é você? ----Perguntei, percebendo o quanto era
bonita, a minha salvadora.--Sou
a mesma que te encontrou uma noite fria na sarjeta.--Você?
Você é o meu anjo da guarda?----Ela somente sorriu e disse:----Se
preferir assim, tudo bem...mas não chego a tanto. Agora preciso ir.
A gente se vê por aí. Vem vindo ai o socorro. ----Virei à cabeça
de lado para ver quem vinha, além e por cima de um corpo inerte ao
meu lado. Eram os bombeiros e os paramédicos que estavam começando
a atuar. Quando voltei à cabeça para falar com ela, já não estava
mais ali. Fiquei um pouco frustrado ao ver ela sumir assim de repente
e sem se despedir de um modo mais adequado. Um dos homens chegou ate
o corpo ao lado do meu, examinou-o e disse baixinho:--Este
já foi. ----Era o individuo que tinha se agarrado em mim.Depois
passou a me atender, verificando se eu estava inteiro. Colocou-me um
colarinho alto e perguntou se podia mexer as pernas.Um
tempo depois estava em um hospital para observação. Logo chegou
Isis toda preocupada e com todos os cuidados que tem uma mulher
apaixonada.
Fiquei feliz em vê-la. Afinal não conhecia ninguém por
ali. Estava ficando totalmente dependente delas, pensei.--Viagenzinha
ruim hei? ----Disse a ela.--Morreram
quarenta, se salvaram sete. Fiquei desesperada pensando que você
estivesse entre a maioria. Eu deveria ir junto com você. ---- Disse
ela querendo chorar e me segurando as mãos.--E...
Mas foi por pouco. Muito pouco mesmo. ----Repeti. E tentando amenizar
o clima, falei alguma coisa sobre o numero sete. Número que dizem
ser forte, mencionado até na bíblia.Outro
dia tive alta , fomos para casa e começamos a se envolver com as
providências dos negócios e arrumações dos móveis. Não
adiantava se traumatizar que nada resolveria. Já estava acostumando
a viver perigosamente, embora depois disso, sempre sonhasse que
estava debatendo em baixo nágua, e acordava agarrando a moça,
desesperado, imaginando ser ela a outra que me salvara. Nunca contei
a ninguém o que aconteceu na realidade. Por duas vezes ela aparecera
para me salvar. Adquiri até certa confiança, não temendo muito
situações perigosas. Depois me lembrei do sujeito que tinha se
agarrado a mim. Porque ela não o salvou também?A situação não
permitia, o tempo não dava, ou tinha chegado o dia do coitado. Isso
somente ela poderia me responder, em outra ocasião que a visse. Mas
não me animava muito, considerando que era só em situações
críticas. Já estava começando a ficar enjoado dos apertos e
agonias que apareciam a frente. Mas depois pensava: A vida não é
feita na maior parte disso? Já estava querendo tranquilidade e paz
no futuro. Umas das joias mais preciosas da vida é a paz.
Infelizmente , nossa temporada por aqui é composta de coisas boas,
misturadas com coisas ruins. Continuava o mistério da moça que
me acudia na eminência da morte. Agora, lembrava bem de seu rosto
fino e bem traçado e de sua bonita boca que empurrou o ar salvador
para meus pulmões. Suas mãos delicadas e firmes e sua pele morena
clara,exalando feminilidade e o incomum esmalte áureo nas unhas.
Seria esmalte mesmo?
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