Literatura-52.O tálamo...

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Assim continuou nossa rotina, mas a cada dia eu ficava mais apreensivo. Já não via de bom grado a presença do rapaz em casa. Muitas vezes procurava evitá-lo e suas conversas já me irritavam. Alguma coisa rolava nos bastidores que eu não sabia ou seria uma enorme desconfiança adquirida pelo tempo passado, que tomava conta de minha cabeça. Certo dia, fechamos a loja e Ísis disse que ia sair para um compromisso. Fiquei desconfiado , porque nunca ela saia só e também nunca falou de compromissos. Mas como sou uma pessoa democrática, assenti de bom grado e agradeci que ela me desse a informação. Fiquei eu e Valdívia sozinhos. Ela como sempre, esperava o namorado por volta das oito da noite. Eram sete e já estava toda bonita e cheirosa para recepcionar o rapaz. Não resisti e comecei a abraça-la com insistência. Ela se desvencilhava, com medo que o outro chegasse de repente a pegasse meio desalinhada.--Não gosta mais de mim é? Falei com cara de menino malcriado.--Gosto, mas é que a situação não é favorável. Ele pode chegar a qualquer momento.----Vendo que nada ia obter, comecei a puxar conversa. ----Ísis falou alguma coisa a você para onde ia?--Não. Nada me disse.--É estranho , pois nunca ela fez isso.--Deve ter ido visitar uma amiga ou coisa do gênero.--Que eu saiba a única amiga dela é você. Não conheço nenhuma outra.--É... os homens sabem muito pouco das mulheres mesmo. Não por quererem , mas por não se interessarem pelo que elas fazem. ----Ouvindo isso fiquei quieto. Não estava afim de discutir o relacionamento homem/mulher, principalmente aquela hora e com quem estava também meio amarrado emocionalmente.Passava das nove e ninguém aparecia....Nem Ísis, nem o namorado de Valdívia. Nisso a campainha tocou. A moça se levantou e disse : ---É ele. Eu assenti com a cabeça imaginando que Ísis levara sua chave. Valdívia foi balançando o bonito traseiro escada abaixo para atender. Eu estava sentado no sofá maior que fica em frente a TV e tentava ver alguma coisa de um documentário interessante,meus olhos nas imagens, mas meus pensamentos longe, tentando decifrar onde minha mulher teria ido. Escutei conversas em tom baixo que subiam a escada devagar.

Quando nivelaram com o piso em que eu estava, notei que não era o namorado da Valdívia que estava com ela. Me levantei rapidamente, mas o tempo era curto e já estavam apontando uma arma para mim. Eram três elementos: Um pardo, um branco e um negro. Pelas suas fisionomias se deduzia que eram pessoas más e que poderiam matar sem a menor consideração. Um deles segurava a moça com o braço dela dobrado para trás, como fazem os policiais.Outros dois chegaram rapidamente perto de mim. Um deles disse:---Onde está o seu cofre.--Não tenho cofre.----Imediatamente levei uma coronhada na cabeça que me deixou zonzo. Uma dor aguda atravessou minhas têmporas. Senti que um líquido quente corria pela minha nuca,encharcando minha camisa. Certamente era sangue do ferimento.O indivíduo disse com voz baixa: ----Vou perguntar outra vez...se a resposta não me satisfazer dou um tiro no seu saco. Onde esta´o seu cofre...----Acreditando que poderia levar um tiro, indiquei com a cabeça onde se encontrava o pequeno cofre. Nele, costumava guardar parte das economias, já que não acreditava muito no sistema bancário, desde que um ex-presidente dera um golpe e arrasara com o sistema, bloqueando todas as contas correntes e poupanças. Muita gente chegou até ao suicídio por perder toda suas economias. Para mim, os bancos tem ligações estreitas com os governos. Basta um estalar de dedos la de cima, que eles bloqueiam as contas. Ainda mais em um país onde a democracia não passa de uma farsa. Assim eu não deixava minha conta bancária muito gorda e preferia por no cofre. Com a Ísis por perto a segurança era total. Só que naquele momento, quando eu mais precisava,ela não estava ali, e eu maldisse essa hora. Levei os indivíduos até meu quarto e sem outra opção abri o cofre para eles. O dinheiro que tinha lá era em dólares e dava para comprar uma casa.Vi os bandidos colocarem tudo em uma sacola de lona amarelada, dessas que se fecha, amarrando a boca com um cadarço. Esperava que a qualquer momento minha esposa chegasse e desse um fim naquilo, do jeito dela. Não iria bloqueá-la. Me levaram novamente para a sala . O outro continuava a segurar a moça, que estava pálida de terror. O que me apontava a arma, agora estava a uma distância de dois metros. ----Olha ...nada pessoal , mas me deram uma ordem e tenho que cumpri-la. Imaginei que ia apertar o gatilho e comecei a me movimentar rapidamente. Uma bala atingiu minha coxa esquerda. Outra pegou a lateral da barriga e uma terceira atingiu minha cabeça. A luz se apagou de repente, caí em um mundo de escuridão e silêncio. Nem luz, nem sons ,nem pensamentos.

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