Literatura-44.O tálamo...


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À noite, a seis quadras de casa, no quarto de um hotel barato, Isis contava como conseguiu voltar. Antes disso tínhamos levado a funcionária para casa. Outro dia de manhã começariam as providências.--Aquela noite que me levaram, nada pude fazer porque eles são poderosos. Eles me conhecem melhor que eu mesma. Mal deu tempo de riscar a revista e jogá-la sob o guarda-roupa. Logo me desligaram totalmente. Meu sistema e igual sua TV quando você a programa para ser ligada em uma hora determinada. Depois de três horas volto a ligar automaticamente se ninguém interferir.----A noite estava com um frescor incomum para a época do ano e lá fora uma pálida lua dava um tom prateado nos altos contornos dos prédios. Passamos a maior parte do tempo conversando.--Quando acordei já estava no Paço. ----Dizia ela--- Lá eles viajam em pequenas naves que variam bastante no formato. Muitas vezes eles as mandam para outros lugares sem tripulação alguma e passam despercebidas. São naves que viajam no espaço e no tempo. Nessas pequenas naves é usado um metal que não existe aqui. Ele se derrete a frio e toma formas variáveis conforme uma pré programação. -----Parece que já vi isso em um filme. ----Falei cortando a narração. Ela ignorou meu aparte e continuou explicando seriamente. ----A que você descobriu tinha o formato de uma cama. Mas no momento em que era acionada ela mudava para a forma original com um brilho intenso.--Porque fazem isso? De as mandarem sem tripulação para cá?--Elas captam informações e garantem a volta caso haja algum problema com as que vieram. Funciona também como uma armadilha para levar humanos para lá. Você foi uma delas.--A próxima cama que for comprar vou verificar bem e terá que ser de madeira. Somente assim vou dormir sossegado.--Mas não é só em cama que elas se transformam. Pode ser um guarda-roupa, um armário, depende da utilidade para que vai servir.Eu estava presa em um quarto semelhante ao que você viu. No tamanho era igual, mas era o que vocês chamam de oficina.Me puzeram lá, desligada, para esperar os técnicos que iriam trabalhar comigo.Por sorte eles se atrasaram e acordei antes da chegada deles. Eu já sabia que ia ser reprogramada, e você ia ser apagado de minha memória. Era isso que faziam com aparelhos desajustados. E para eles eu era um desses. Só que eles não sabiam do meu aprendizado aqui na terra. A porta de saída estava trancada e do lado de fora estava um guarda vigiando.
 Quando vi que uma nave tinha chegado, sabia que eram os técnicos que vinham me ver, pelas características de seus uniformes. Logo que a nave foi deixada sozinha, abri a porta com cuidado, arrancando a maçaneta e puxei a guarda para dentro, silenciando-a. Vesti seu uniforme fedorento para poder sair dali sem ser percebida.Puxei o corpo para debaixo de uma mesa, quando os técnicos entravam. Olharam para mim me questionando e fiz um sinal que a moça que vieram ver, estava no banheiro.Enquanto eles discutiam entre si, não sei o que,saí despercebida,naturalmente, porque o meu lugar ( da guarda)seria do lado de fora. Andei normalmente até a nave, entrei e direcionei-a para cá. Tinha decorado o código quando de nossa viagem para cá. Quando aqui cheguei mandei-a de volta para outro lugar.--Espera aí... Foi tão fácil assim? A porta da sala não estava trancada?--Estava, mas eu a abri. ----Respondeu ela seriamente.--Daí você fez igual aquele clichê dos filmes: Com dois araminhos abriu a fechadura. ----Falei em tom de sarcasmo.-- Não... Já disse...Virei à maçaneta com a mão umas duas vezes.--O que? ----Disse eu com um sorriso sem graça. Mediante minha cara de descrédito ela foi até a porta do banheiro e como se fosse um palito, arregaçou a fechadura perante meus olhos. E em seguida trouxe e me colocou nas mãos. Na porta, dava para ver um pedaço da pia pelo buraco, no lugar onde era a fechadura. Ela continuou natural:--E a guarda não reagiu quando você a puxou?----Perguntei ainda boquiaberto.Não deu tempo, porque apliquei nela um golpe de karatê.Eu cada vez mais impressionado com a moça, perguntei:--Karatê? Onde você viu isso?Lá ensinam artes marciais?--Não, bobinho. Aprendi com seus livros. Aliás tudo que sei aprendi com os livros.----Disse naturalmente. Eu estupefato com a narrativa, já achava perfeitamente normal a escapada dela. Poderia deixá-la na loja a mercê dos assaltantes sem me preocupar. Por outro lado, seria bom, nunca contrariá-la.--Eu dei a você um livro sobre karatê?Não me lembro.--Sim... Tinha por título: “A arte do karatê para defesa pessoal.”----Peguei sua mão para verificar se tinha algum machucado, mas estava macia quente e perfeita como sempre. A moça para mim era uma caixinha de surpresas. Ainda bem que surpresas agradáveis.O livro a que ela se referiu, deveria ter vindo junto com um pacote que comprei em um sebo.

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