O Estado desorganizado



04-04-2005 
Justiça falha: Um erro judicial que custou 19 anos de vida

O motorista e mecânico Marcos Mariano da Silva perdeu 19 dos seus 56 anos. Vítima de erro judicial, por duas vezes foi preso por engano. Acabou confinado, sem motivo algum, em presídios em Pernambuco, onde também perdeu a visão dos dois olhos. 

No dia 22 do mês passado, Marcos foi reconhecido como vítima da máquina judiciária pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. Os desembargadores concederam-lhe R$ 2 milhões de indenização por danos morais e materiais em conseqüência de sua última temporada enclausurado, quando ficou preso de 1985 a 1998.

 O TJ constatou que não havia condenação, inquérito ou mesmo registro informando o crime a ele atribuído.A via-crúcis de Marcos começou em 1976, quando foi preso em Cabo de Santo Agostinho (PE) sob a acusação de homicídio.

 Passou seis anos detido até que a polícia encontrou o verdadeiro criminoso e o motorista foi libertado. Em 1985, a polícia abordou Marcos na mesma cidade, acusando-o de violar a liberdade condicional. No entanto, não havia documentos comprovando que Marcos tinha dívida com a Justiça.

 O ônus da prova, que por lei é de quem acusa, inverteu-se: o réu passou os 13 anos seguintes recluso, sem poder provar inocência.Durante esses anos, Marcos foi tratado como um criminoso de alta periculosidade. Dividiu com outras dezenas de presos uma cela no presídio Professor Aníbal Bruno, em Recife. 

Chegou a passar seis meses no presídio de segurança máxima Barreto Campelo, em Recife. Lá, foi privado de benefícios básicos, como o banho de sol. Assim como a grande parte dos presidiários brasileiros, padeceu com atos violentos da polícia e de seus colegas de cadeia.

Em 1992, num motim, o Batalhão de Choque da Polícia Militar foi acionado. Uma bomba de gás lacrimogêneo foi jogada na cela de Marcos, deixando-o cego. Sua família virou-lhe as costas quando ele foi preso pela segunda vez. A mulher e as dez filhas acreditaram que Marcos teria cometido um crime grave. Durante o tempo de prisão, ele não recebeu visitas.

Capitão da PM assumiu presídio e descobriu o caso
A liberdade veio apenas em 1998, quando o capitão da Polícia Militar Roberto Galindo assumiu a direção do Aníbal Bruno e realizou um mutirão para descobrir a situação de cada preso. Descobriu vários casos de detentos que já haviam cumprido a pena. Mas nenhum caso como o de Marcos.

— Eu me coloquei no lugar dele e me deu uma angústia muito grande. Poderia ter acontecido isso com qualquer um, até comigo — disse Galindo.
O advogado Mauro Bessa, contratado para averiguar a situação de todos os presos, foi pessoalmente aos cartórios e tribunais de Recife tentar recuperar o caso de Marcos.

 Não encontrou nada registrado que comprovasse qualquer crime cometido pelo preso. Certidão emitida em 22 de junho de 1998 pelo Cartório Único de Distribuição da Comarca de Cabo de Santo Agostinho atesta: “Não verifiquei existência de registro de feitos criminais de Marcos Mariano da Silva”.

No dia 1 de julho do mesmo ano veio a confirmação do equívoco em certidão da 1 Vara de Execuções Penais do Estado. “Revendo o arquivo desta secretaria, nada encontrei contra a pessoa de Marcos Mariano da Silva”, concluiu a chefe da secretaria do órgão, Dalva Cristina Reis e Silva. 

Com os documentos em mãos, Bessa entrou com um pedido de hábeas-corpus pedindo a liberdade de Marcos. O benefício foi concedido pelo desembargador Arthur Pio dos Santos em 17 de agosto de 1998. O alvará de soltura do preso ficou pronto cinco dias depois.

O desembargador aposentado Aquino de Farias Reis, que em 1985 era juiz da 2 Vara de Cabo de Santo Agostinho e ordenou a transferência de Marcos da delegacia para o presídio, negou ter cometido erro, embora sua assinatura conste do documento de transferência:

— Não tenho elementos para falar do que não me recordo. Não mandaria ninguém para a prisão sem inquérito.
Quando Marcos deixou o Aníbal Bruno, só uma pessoa o esperava: Lúcia, uma empregada doméstica que visitava um parente no presídio e iniciou um romance com Marcos um ano antes de ele ser solto.

 O casal mora hoje em Camaragibe, na Região Metropolitana de Recife.
Fora da cadeia, o motorista conheceu o advogado Afonso Bragança. No dia 22 de março, conseguiram da 1 Câmara Cível do Tribunal de Justiça uma indenização de R$ 2 milhões — dos quais R$ 156 mil a título de danos materiais e R$ 1,8 milhão por danos morais.

 A decisão foi unânime, e a sessão emocionou os presentes. O desembargador Fernando Martins levantou-se e foi pessoalmente pedir perdão a Marcos em nome do estado.

O desembargador Ivonaldo Miranda, relator do caso, disse que o erro ocorreu principalmente porque em 1985 o sistema penitenciário era mais desorganizado. Insinuou que Marcos seria responsável pelo erro por ter persistido tantos anos sem procurar advogado.

— Ele não teve o cuidado de procurar um advogado antes, temos a defensoria pública. 
Marcos disse ter procurado ajuda na prisão. Como na cadeia todo condenado se diz inocente, ninguém acreditou nele.

Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo

 O maior erro judicial até hoje
http://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3os_Naves

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