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----Estava
na casa de uma amiga... Ela me ligou dizendo que não estava
passando bem, daí fui ate lá dar uma ajuda.
----Tudo
bem--- disse eu. ----Só que em uma situação dessa a gente tem que
informar um ao outro. Cidade grande, cheia de perigos, sequestros,
roubos. Um tem que saber onde outro está. ---Ela fez uma pequena
careta, como se aquilo fosse uma bobagem e completou.
----Eu
não sabia onde encontrá-lo. ---Daí foi que veio a tona a ideia de
que de fato ela não sabia onde me encontrar. Eu também saia e nada
dizia para onde ia. Com cara de bobo e vencido, fiquei calado. Ela
foi para o quarto se trocar, depois ao banheiro, tomar banho. Ao
passar rumo ao banheiro quase desnuda, lembrei que talvez estivesse
sendo meio duro com a coitada. Veio um arrependimento repentino, o
que me fez ir até a porta e pedir desculpas pela ignorância. Ela
sorriu e ficou tudo bem novamente. Dali a dois dias aconteceu
novamente. Eu tinha a impressão que ela saia há muito tempo, desde
quando eu trabalhava. Daí a intolerância comigo em casa, mas
devagar foi voltando ao velho sistema, pensava eu. Comigo trabalhando
a liberdade era maior e não precisava arranjar desculpas. Comecei a
rememoriar que, das poucas vezes que telefonava a ela do serviço, a
encontrava em casa. Só que nunca ligava na parte da tarde. Para não
arranjar confusão, fiquei quieto e fiz vista grossa. A cada dois
dias ela saia. No principio me avisava que ia com uma amiga ao
shopping, ou qualquer outra coisa do gênero. Depois de um tempo, já
não se incomodava em me informar. Saia a tarde e voltava à noite.
Comecei a perceber que nosso relacionamento muito lentamente
esfriava. Talvez fosse o meu ciúme que cobrasse essas observações,
daí fazia força para deixar passar muita coisa e não cair no
ridículo. A gente tinha um pacto quando nos casamos. Era para não
invadirmos muito a privacidade um do outro. Quando isso acontece à
relação não dura muito. Tem que dar espaço, deixar respirar, dar
alvedrio, tudo na base da confiança. Na verdade o despeito é uma
grande bobagem. Uma afinidade dura enquanto tem comburente. Depois
disso se acaba queiramos ou não. Mas em nossa ideia sempre achamos
que dominamos a conjuntura. Ai foi o engano. O tempo estava mudando.
Tempo de plantar, tempo de colher, conforme o Eclesiastes. Era um
casamento democrático, mas com aquelas saídas constantes, começou
a crescer dentro de mim a desconfiança. A desconfiança não
precisa de água para crescer, como as plantas. Ela é regada com
fragmentos, que a cada dia vão se somando devagar e constantemente.
Um dia resolvi segui-la. Seria de um modo bem dissimulado para não
cair no ridículo. Uma tarde quente, com nuvens pesadas encobrindo o
azul do céu, eu sai atrás dela, mantendo certa distância, para não
ser pego de surpresa por uma olhada rápida para traz. Ela caminhou
dois quarteirões e pegou um táxi em uma praça próxima. Anotei o
carro, e resolvi esperar pela volta do motorista já que ali era um
ponto. O tempo mostrava sinal de chuva eminente em poucas horas,
pelos trovões anunciadores. Aguentei firme e resoluto, marcando o
tempo que o táxi estava ausente. Tinha que tirar a duvida de minha
cabeça. Dali vinte minutos ele retornou. Calculei que teria a levado
a cinco quilômetros dali. Cheguei devagar até o motorista e
entabulei conversação.
----Boa
tarde.
----Boa---Respondeu
ele.
----É
o seguinte: Um amigo meu indicou e o senhor, certamente que o conhece
.Eu gostaria de saber quanto cobra para uma corrida até o aeroporto.
Pretendo fazer em breve uma viagem para a empresa. E quero
controlar, para depois prestar contas,de todos os gastos. ---Fiquei
na espera dele perguntar o nome do amigo. Ia inventar um nome, ou
falar de um conhecido meu. ---O taxista era um velho magro, bem
arrumadinho, na simplicidade que a profissão exige. Por traz de sua
camisa branca e bem limpinha, certamente tinha uma velha esposa
dedicada e cuidando dele com amor. Desconfiado como todos os taxistas
o são com desconhecidos, no começo media as palavras. Devagar fui
conquistando sua confiança e ele foi relaxando e falando um pouco
mais. Não perguntou o nome de quem o indicara.
----Sabe
que para ir ao aeroporto a gente cobra por viagem. Lá é fora do
município.
----Ah...
Eu sei disso. ---Rematei.
----Fica
em setenta reais. ----Concluiu ele olhando bem para mim, para captar
alguma reação. Permaneci sereno, imaginando que ele pedira alto, na
espera de uma pechincha. Mas a minha necessidade imediata não era
aquilo.
----Está
bom. Um dia antes da viagem eu ligo. Passe-me seu telefone.
O
velho, com cara de satisfeito pegou no porta luva do carro um cartão
e me entregou.
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