Literatura- 6 - O tálamo...

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Lembrando o tempo passado, comecei a ver que tinha certos dias da semana, que o chefe saia mais cedo. Ele tinha liberdade de horário. Eu até que gostava de se livrar do desafeto mais cedo. O restante do dia ficava até mais aberto e alegre. Lembro que quando trabalhei em uma pequena firma em começo de carreira, os diversos departamentos eram em uma só sala grande. Ali estava o departamento pessoal, a contabilidade, vendas, compras, além de dois desenhistas no canto do fundo. Era no piso superior e de lá se via quando o superintendente da empresa chegava. As vezes ele saia mais cedo e a sala virava uma bagunça. O trabalho virava laser, as tarefas em conversas e as obrigações em piadas. Sempre alguém ficava de olho na rua para não serem pegos de surpresa. Quando o italiano ranzinza, de cabeça branca estacionava o carro, um sinal lá em cima era dado e em um minuto tudo voltava ao normal. A frente da fábrica tinha uma enorme calçada, onde os chefes a usavam de estacionamento. Depois do aviso, cada qual em seu lugar, como se nunca fosse diferente. Nunca vi outra vez em uma empresa os funcionários serem tão bons amigos como nessa, indiferente de departamento ou seção. Quando aparecia para trazer o cafezinho e o homem não estava lá, faziam do pobre faxineiro( que também tinha a incumbência de fazer e servir o café) de gato e sapato .Alguns faziam futebol com as pequenas xícaras o que deixava o pobre do Benedito super nervoso. Quando se quebrava algumas xícaras, seus cacos sumiam como por mágica. Nem no lixo poderia encontrá-los.
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Eu não sabia que aquela claridade que me beneficiava nas tardes quentes e cansadas, quando o chefe saia mais cedo, era motivada pela Beatriz. Alegria sem rasão e desnecessária se soubesse o motivo da saída do indivíduo. No dia seguinte fomos a um advogado. Ele informou que se fosse sem litígio, o processo sairia rapidinho. Tinha porem uma coisa que os dois teriam que resolver. Era a divisão dos bens. Seria no meio a meio. Se houvesse alguma duvida, teria que ser vendido a causa da disputa e repartido o dinheiro. Pusemos a venda o apartamento e o resto repartimos de qualquer jeito. Cedi em muita coisa para ver a rapidez nas soluções. Logo saiu a sentença, vendemos o imóvel rapidamente e em breve estávamos frente a frente para a ultima despedida. Depois disso não fiquei sabendo para onde ela foi. Já não me interessava mesmo o rumo que ela tomaria. Poderia ir para os infernos. A parte do dinheiro que ficou para mim não dava para comprar outro imóvel, a não ser que fosse em alguma favela. E isso estava fora de cogitação. Aluguei uma casinha simples, em um bairro razoável. Enquanto tivesse dinheiro, ficaria ali. Depois, se a ma sorte continuasse iria morar na rua. Minha cabeça já não se preocupava com o porvir e vivia o dia a dia como se fosse o último. Era uma casa pequena. Sala cozinha, quarto e um banheiro. Era o suficiente para uma pessoa, ou até duas. Tinha também um quintalzinho com um pé de limão rosa bem no meio. Ao lado da entrada para a cozinha, tinha uma pequena cobertura sobre um tanque de lavar roupa. Um arame liso fazia a ligação da parede até o pé de limão. Era o varal para secar roupas. Com o meu bom senso ecológico, mudei o varal do limoeiro para o muro do fundo. Eu gostava de dar o meu toque pessoal nas coisas, como uma espécie de assinatura. Principalmente quanto a praticidade, o bom funcionamento e a facilidade de manuseio. Ajeitei também a pequena cobertura do tanque. Estava solta e furada.

 Os primeiros dias , não sei se pelo tempo ocupado em arrumar coisas, foram passados despercebidos. Quando lembrava dela ainda vinha uma raiva que me deixava com calor. Passados alguns dias, comecei a sentir falta da Beatriz, e da vida que levamos. Devagar, uma angustia começou a minar meu bom humor e a solidão ajudava a me arrastar para um buraco negro e temível. Havia momentos que me arrependia do que fizera, e imaginava nossa vida continuando como era sem interferência de minha parte nas saídas dela. Era para ignorar tudo. Mas a machidão e a cultura da honra falaram mais fortes. Teve um dia que por pouco não sai a procurá-la. Felizmente tomei antes algumas cervejas, o que reavivou meu instinto natural e acabei desistindo da ideia. --- Homem que é homem tem de encarar os problemas de frente e não fugir deles. ---Pensara eu no momento. Depois, se voltasse, iria viver angustiado da mesma forma. Sozinho, pelo menos tinha um trunfo. Em outras horas, enquanto bebia, procurava alimentar o ódio, imaginando ela nos braços do meu inimigo. Tentava destruir a imagem dela em minha mente. Quanto mais deprimente ficava, mais eu bebia. Sem perceber, em pouco tempo tornei-me um alcoólatra. Nos meus antepassados houve alguns casos de alcoolismo, mas nunca me preocupei com isso e se era transmitido pelo DNA ou não. Descobri que, enquanto estivesse com um bom nível de álcool no sangue, a angustia se mantinha longe. Se ficasse sóbrio, ela vinha como uma nuvem negra e ameaçadora. Daí perdia a vontade de tudo que era valioso, inclusive a própria vida. Sentia-me mal ao dormir, ao acordar ao andar e ao falar. Não podia ver comida na frente que me dava enjoo. Comecei a perder peso. Às vezes dormia na rua, com o vento gelado da madrugada me açoitando as costelas, pela total incapacidade de voltar para casa. Somente tinha esperança na morte que poderia vir a qualquer momento, considerando a fraqueza física em que me encontrava. O imóvel alugado ficava tempo fechado, quando estava embebedado. Estava anestesiado no corpo e na alma. Nada mais interessava neste mundo. Algumas vezes pegava o porre lá dentro mesmo e permanecia dias trancado, só saindo para comprar algum remédio para ressaca. Esta me assolava a cabeça de forma violenta, quase me levando a loucura total. Um dia me olhei no espelho e fiquei assustado com o que vi. Não me reconheci na imagem refletida. Estava um velho barbudo, ossudo e amarelo. Mais parecia um mendigo vivendo ao relento. Fazia cinco meses que estava naquela vida.

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