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Lembrando
o tempo passado, comecei a ver que tinha certos dias da semana, que
o chefe saia mais cedo. Ele tinha liberdade de horário. Eu até que
gostava de se livrar do desafeto mais cedo. O restante do dia ficava
até mais aberto e alegre. Lembro que quando trabalhei em uma pequena
firma em começo de carreira, os diversos departamentos eram em uma
só sala grande. Ali estava o departamento pessoal, a contabilidade,
vendas, compras, além de dois desenhistas no canto do fundo. Era no
piso superior e de lá se via quando o superintendente da empresa
chegava. As vezes ele saia mais cedo e a sala virava uma bagunça. O
trabalho virava laser, as tarefas em conversas e as obrigações em
piadas. Sempre alguém ficava de olho na rua para não serem pegos de
surpresa. Quando o italiano ranzinza, de cabeça branca estacionava o
carro, um sinal lá em cima era dado e em um minuto tudo voltava ao
normal. A frente da fábrica tinha uma enorme calçada, onde os
chefes a usavam de estacionamento. Depois do aviso, cada qual em seu
lugar, como se nunca fosse diferente. Nunca vi outra vez em uma
empresa os funcionários serem tão bons amigos como nessa,
indiferente de departamento ou seção. Quando aparecia para trazer o
cafezinho e o homem não estava lá, faziam do pobre faxineiro( que
também tinha a incumbência de fazer e servir o café) de gato e
sapato .Alguns faziam futebol com as pequenas xícaras o que deixava
o pobre do Benedito super nervoso. Quando se quebrava algumas
xícaras, seus cacos sumiam como por mágica. Nem no lixo poderia
encontrá-los.
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Eu
não sabia que aquela claridade que me beneficiava nas tardes quentes
e cansadas, quando o chefe saia mais cedo, era motivada pela Beatriz.
Alegria sem rasão e desnecessária se soubesse o motivo da saída do
indivíduo. No dia seguinte fomos a um advogado. Ele informou que se
fosse sem litígio, o processo sairia rapidinho. Tinha porem uma
coisa que os dois teriam que resolver. Era a divisão dos bens. Seria
no meio a meio. Se houvesse alguma duvida, teria que ser vendido a
causa da disputa e repartido o dinheiro. Pusemos a venda o
apartamento e o resto repartimos de qualquer jeito. Cedi em muita
coisa para ver a rapidez nas soluções. Logo saiu a sentença,
vendemos o imóvel rapidamente e em breve estávamos frente a frente
para a ultima despedida. Depois disso não fiquei sabendo para onde
ela foi. Já não me interessava mesmo o rumo que ela tomaria.
Poderia ir para os infernos. A parte do dinheiro que ficou para mim
não dava para comprar outro imóvel, a não ser que fosse em alguma
favela. E isso estava fora de cogitação. Aluguei uma casinha
simples, em um bairro razoável. Enquanto tivesse dinheiro, ficaria
ali. Depois, se a ma sorte continuasse iria morar na rua. Minha
cabeça já não se preocupava com o porvir e vivia o dia a dia como
se fosse o último. Era uma casa pequena. Sala cozinha, quarto e um
banheiro. Era o suficiente para uma pessoa, ou até duas. Tinha
também um quintalzinho com um pé de limão rosa bem no meio. Ao
lado da entrada para a cozinha, tinha uma pequena cobertura sobre um
tanque de lavar roupa. Um arame liso fazia a ligação da parede até
o pé de limão. Era o varal para secar roupas. Com o meu bom senso
ecológico, mudei o varal do limoeiro para o muro do fundo. Eu
gostava de dar o meu toque pessoal nas coisas, como uma espécie de
assinatura. Principalmente quanto a praticidade, o bom funcionamento
e a facilidade de manuseio. Ajeitei também a pequena cobertura do
tanque. Estava solta e furada.
Os
primeiros dias , não sei se pelo tempo ocupado em arrumar coisas,
foram passados despercebidos. Quando lembrava dela ainda vinha uma
raiva que me deixava com calor. Passados alguns dias, comecei a
sentir falta da Beatriz, e da vida que levamos. Devagar, uma angustia
começou a minar meu bom humor e a solidão ajudava a me arrastar
para um buraco negro e temível. Havia momentos que me arrependia do
que fizera, e imaginava nossa vida continuando como era sem
interferência de minha parte nas saídas dela. Era para ignorar
tudo. Mas a machidão e a cultura da honra falaram mais fortes. Teve
um dia que por pouco não sai a procurá-la. Felizmente tomei antes
algumas cervejas, o que reavivou meu instinto natural e acabei
desistindo da ideia. --- Homem que é homem tem de encarar os
problemas de frente e não fugir deles. ---Pensara eu no momento.
Depois, se voltasse, iria viver angustiado da mesma forma. Sozinho,
pelo menos tinha um trunfo. Em outras horas, enquanto bebia,
procurava alimentar o ódio, imaginando ela nos braços do meu
inimigo. Tentava destruir a imagem dela em minha mente. Quanto mais
deprimente ficava, mais eu bebia. Sem perceber, em pouco tempo
tornei-me um alcoólatra. Nos meus antepassados houve alguns casos de
alcoolismo, mas nunca me preocupei com isso e se era transmitido pelo
DNA ou não. Descobri que, enquanto estivesse com um bom nível de
álcool no sangue, a angustia se mantinha longe. Se ficasse sóbrio,
ela vinha como uma nuvem negra e ameaçadora. Daí perdia a vontade
de tudo que era valioso, inclusive a própria vida. Sentia-me mal ao
dormir, ao acordar ao andar e ao falar. Não podia ver comida na
frente que me dava enjoo. Comecei a perder peso. Às vezes dormia na
rua, com o vento gelado da madrugada me açoitando as costelas, pela
total incapacidade de voltar para casa. Somente tinha esperança na
morte que poderia vir a qualquer momento, considerando a fraqueza
física em que me encontrava. O imóvel alugado ficava tempo
fechado, quando estava embebedado. Estava anestesiado no corpo e na
alma. Nada mais interessava neste mundo. Algumas vezes pegava o porre
lá dentro mesmo e permanecia dias trancado, só saindo para comprar
algum remédio para ressaca. Esta me assolava a cabeça de forma
violenta, quase me levando a loucura total. Um dia me olhei no
espelho e fiquei assustado com o que vi. Não me reconheci na imagem
refletida. Estava um velho barbudo, ossudo e amarelo. Mais parecia
um mendigo vivendo ao relento. Fazia cinco meses que estava naquela
vida.
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