Literatura- 7. O tálamo...


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Certa noite, no auge de meu declínio, estava eu estirado junto a um muro, semimorto, esperando as longas horas se arrastarem e ganhar um pouco de força para poder andar até minha casa. O frescor da madrugada não amenizava os meus males, nem meus pensamentos, que ansiavam pela morte, clamavam por ela. Minha boca estava amarga e a saliva parecia uma gosma grossa. Se a engolisse poderia correr o risco de me afogar. Meus pés estavam frios e adormecidos e eu não dava a mínima para isso. Se ia morrer, tinha que aparecer os sintomas. Quem sabe era aquele, um deles. No meio daquele transe infindável, apareceu alguém e falou comigo. No principio fiquei surpreso ao ver que alguém falava comigo. Bêbados são entes execráveis. Devo ter falado besteiras, respondendo a coisas que não conseguia entender. Depois, pela persistência, com muito esforço, notei próximo a mim, um vulto feminino em meio à penumbra de meus olhos alcoolizados. Esperava pacientemente que eu tivesse uma reação positiva. Pensando ser a morte, me apossei do pouco de alegria que ainda restava em meu espírito e a cumprimentei com fala enrolada e incompreensível.
----Oh, você e a morte... Que bom que você veio... Estava esperando há um bom tempo... Vai me levar? Tenho passado o inferno... que maravilha dar um jeito em minha situação. Pode me levar para qualquer lugar...ao inferno até. Sabe de uma coisa, o inferno deve ser até melhor do que estou passando nesta vida ingrata. ---Ouvi uma voz feminina, suave e clara responder, enquanto se aproximava mais,se abaixando para falar ao meu ouvido.
----Não sou a morte... Vim apenas ajudá-lo.
----Eu acho que não tenho jeito moça. ----Respondi com a língua enrolada---Sem jeito...Sem jeito, sem solução. Desista.
----Tem sim, é só reagir. ----Dizendo isso ela me pegou por baixo dos braços e como se eu fosse uma pena, me levantou.
Em minha névoa mental, senti aquilo e imaginei que deveria estar bem magro mesmo, ao perceber ela me erguer daquela forma, lépida e firme.




----Vamos para casa. ---Disse ela. Na alta madrugada tinha a impressão que eramos somente nos dois, ali na rua deserta. Parece que fui levado para casa, que ficava distante alguns quarteirões, sem tocar os pés no chão. Mas qual é a impressão que pode ter um bêbado, com a memória deturpada pelo álcool e pela fraqueza de ficar sem se alimentar?Chegamos à casinha,não sei como ela abriu a porta e em seguida, me vi deitado de costas em minha cama. Imediatamente ela me despiu com mãos de fada e me levando ao banheiro , me pôs  em baixo do chuveiro. Ela coordenava tudo e eu apenas deixava ser conduzido para o caminho da salvação. Tinha me levado para casa de forma rápida e sem perguntar onde era. Quem era ela? Eu, me apoiando com as duas mãos no azulejo, sentia a água quente correr apaziguadora pelos ossos aparentes.As mãos da moça, ágeis e macias , manuseavam o sabonete pelo meu corpo arrebentado. Naquela hora, não era um homem. Estava mais para um verme, sujeito ao bem e ao mal. Veio em minha mente uma pergunta que a muito custo consegui transformar em palavras na minha boca.
----Você é o meu anjo da guarda, é?----Não sei de onde veio a ideia.
----Veio me tirar do barco de Caronte?
----Pode ser. ----Disse ela rápida. Depois do banho, me levou ate a cama. Afastou-se por algum tempo. Escutei barulho de utensílios na cozinha, que parecia ser coisa bem distante. Logo ela voltou trazendo um chá. Ergueu minha cabeça e fez engolir. Não senti gosto, apenas um calor purificador correndo garganta abaixo. Me senti melhor. Tempo depois, ela retornou com um mingau. Agora já senti o gosto e o tomei com boa vontade. O dia começava a dar os primeiros sinais com as frestas da janela tornado-se visíveis e um pardal do lado de fora começara a entoar uma sinfonia áspera de uma nota só. Foi aí que ela me disse:
----Agora me vou. E lembre-se... Você tem que reagir, você tem que lutar... Está me entendendo?
----Estou, mas não se vá. Fique mais um tempo comigo.
----Infelizmente não vai dar. Deixei comida pronta para você na geladeira. Quando se levantar, coma de pouco em pouco e devagar. E você tem que me prometer que vai fazer tudo para mudar sua vida e largar do álcool.
---Eu prometo. ----Respondi com convicção, mesmo naquela região que o espírito está meio acordado, meio dormindo. Nesse estado critico, não vi quando ela se foi. Como uma brisa passageira, sem deixar rastro nem cheiro ela sumiu. Quando acordei definitivamente, o dia já estava terminando, mas um faixo de luz amarelada do sol, ainda atravessava a pequena veneziana do quarto, atingindo a parede do lado oposto em forma de um pequeno circulo iluminado.

Era tempo de recomeçar, de reagir... Pensei comigo, com muita má vontade.

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