Literatura - 17.O tálamo...


                                                                                17

No meu trabalho era fornecida uma arma que depois de certo tempo de firma, poderia ser levada para casa. Comecei a levá-la em minhas viagens. Poderia haver situações em que teria de enfrentar perigos e aí poderia ser útil, como depois foi comprovado. Certo dia de feriado, antes de a Eliza aparecer em casa, resolvi dar uma volta pelo passado. Queria ver como era o lugar cinquenta anos antes. Algum tempo antes de ter nascido.Não sei se negligenciei com o controle, porque o lugar parecia diferente. Era um campo deserto, todo verde, com gafanhotos fazendo um alarido estridente. Nas baixadas tinha mato cerrado e nos altos, moitas grandes e esparsas pontuavam o grande gramado verde e macio. Enquanto fazia o reconhecimento visual da área, fui surpreendido por um grito estridente que parecia ser de criança. Vinha da direção de um pedaço de mato, em uma barroca formada pela erosão. Desci com dificuldade para ver do que se tratava. Os ouvidos tiniam com a reverberação dos gafanhotos. Mas o grito persistente superava. Logo vi a certa distancia meio escondidos, dois homens que lutavam com uma garota. No começo não entendi bem o que estava acontecendo, mas depois vi que, enquanto um deles a segurava violentamente, outro tirava suas roupas. Senti que ia acontecer um estupro. Veio em minha cabeça a ideia de voltar atrás, e deixar a moça a mercê de seu destino. Mas o lado bom falou mais alto e incentivou a correr os riscos. Apressei-me para tentar ajudá-la. Corri com todas as forças e coragem que pude arrumar. Poderia ser até um covarde, mas nunca iria deixar uma moça ser agredida por dois marmanjos. Quando cheguei bem perto, eles não me viram, tamanha era a atenção no ato de rasgar as roupas da moça e apreciar a carne macia e branca. Ela já estava com os pequenos seios a mostra, vibrando por todos os lados na luta desigual. Dei um grito, para desviarem a atenção e darem uma trégua à coitada. Os dois me olharam com cara de ódio. Usavam barbas grandes, semelhante aos lenhadores do Alasca. Suas roupas eram simples e calçavam botas de cano curto. Eu pensava que com o flagrante eles fugiriam. Mas pelo que presenciei em seguida, vi que estava totalmente enganado. Largaram da moça e partiram para o meu lado. Certeza eu tinha que não era para boas vindas. A garota aproveitou o intervalo para se cobrir com o que restava das roupas. Eu me considerava um individuo frágil, que não sabia brigar e não era dado a violência. Imaginava que ao enfrentar os dois parrudos certamente estava decretando o meu fim. O primeiro que avançou sobre mim como um touro, não me pegou. Com um desvio rápido que até fiquei surpreso, sai da linha de ataque e ele passou como uma locomotiva se esfregando. Estavam me cercando. Não falavam nada. Somente se ouvia a respiração bem perto, e os malditos gafanhotos que estrilavam incessantemente. Dei um chute que acertou a barriga de um deles, mas foi o mesmo que chutasse uma rocha. O individuo nem careta fez. Um deles, o maior, se pegasse de jeito, me esmagaria facilmente. Recebi um soco na testa meio de raspão e mesmo assim fui atirado ao chão de costas. Meio zonzo peguei a arma no bolso e atirei no vulto enorme que estava mais próximo, vindo para cima de mim. Logo em seguida algo pesado como uma montanha caiu sobre o meu corpo. Mãos de aço apertaram meu pescoço. Com o impacto devo ter derrubado a arma. Não a sentia mais na mão. Estava perdido, tinha chegado minha hora, pensei. Uma escuridão angustiante começou a invadir meus olhos. Não vi nem senti mais nada. Quando acordei, mãos macias e carinhosas passavam um pano úmido em minha testa. Chamei por Eliza. Não era ela. Pensei estar no céu, respirando ar puro e fresco. Um pouco mais de atenção e percebi o barulho dos gafanhotos. Abri bem os olhos e vi que era a moça que tinha acudido. Ela segurava minha cabeça sobre o colo. Abriu um bonito sorriso e falou algo que não entendi. Com alguma dificuldade consegui me levantar. Daí que tive uma noção do que tinha acontecido. Ao meu lado jazia um dos brutamontes com a cabeça rachada. Um mingau de terra e sangue aparecia na sombra da cabeça. Ao lado, um pedaço de madeira roliça suja de sangue, provavelmente um galho de arvore seca, denunciava a causa mortis. A três metros mais a frente outro se encontrava estirado também. Era no qual tinha atirado. Deduzi que, enquanto o grandão me asfixiava, a moça deu uma paulada em sua cabeça. Ela tinha me salvado da morte certa. Próximo dali estava meu revolver também. Pequei-o e guardei. A moça vendo que eu estava bem olhou para mim com ar de preocupação e falou alguma coisa, que entendi como ir embora. Assenti com a cabeça e ela saiu correndo desaparecendo no mato como uma gazela assustada. Voltei para casa todo quebrado e pelo espelho do banheiro vi o estrago em meu pescoço. Estava vermelho e arranhado. Difícil seria arranjar uma desculpa para aquilo, frente à Eliza. Por sorte, outro dia já estava bem melhor e mais disfarçável perante olhares curiosos e pesquisadores. Passei uma pomada cor da pele que disfarçou mais ainda. Comecei a pensar em deixar de viajar no tempo. Ate agora tinha escapado de situações perigosas. Para o futuro não sabia o que poderia acontecer. Fiquei algum tempo quieto e longe do controle da cama. O meu medo era em uma viagem sumir, para nunca mais voltar. A realidade mostrava que os riscos eram bem maiores do que se previa. Mas por outro lado a curiosidade tinha também suas forças e logo voltava a sair pelas frestas dos anos, observando as gerações humanas no seu desenvolvimento pelos séculos. Era uma aula ao vivo e uma aventura tentadora. Mas como dizia o ditado, que “a curiosidade matou o gato”, cada vez me acautelava mais. Não arriscava ficar em lugares suspeitos e zonas de perigo.

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