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No meu trabalho era
fornecida uma arma que depois de certo tempo de firma, poderia ser
levada para casa. Comecei a levá-la em minhas viagens. Poderia
haver situações em que teria de enfrentar perigos e aí poderia
ser útil, como depois foi comprovado. Certo dia de feriado, antes de
a Eliza aparecer em casa, resolvi dar uma volta pelo passado. Queria
ver como era o lugar cinquenta anos antes. Algum tempo antes de ter
nascido.Não
sei se negligenciei com o controle, porque o lugar parecia diferente.
Era um campo deserto, todo verde, com gafanhotos fazendo um alarido
estridente. Nas baixadas tinha mato cerrado e nos altos, moitas
grandes e esparsas pontuavam o grande gramado verde e macio. Enquanto
fazia o reconhecimento visual da área, fui surpreendido por um grito
estridente que parecia ser de criança. Vinha da direção de um
pedaço de mato, em uma barroca formada pela erosão. Desci com
dificuldade para ver do que se tratava. Os ouvidos tiniam com a
reverberação dos gafanhotos. Mas o grito persistente superava. Logo
vi a certa distancia meio escondidos, dois homens que lutavam com uma
garota. No começo não entendi bem o que estava acontecendo, mas
depois vi que, enquanto um deles a segurava violentamente, outro
tirava suas roupas. Senti que ia acontecer um estupro. Veio em minha
cabeça a ideia de voltar atrás, e deixar a moça a mercê de seu
destino. Mas o lado bom falou mais alto e incentivou a correr os
riscos. Apressei-me para tentar ajudá-la. Corri com todas as forças
e coragem que pude arrumar. Poderia ser até um covarde, mas nunca
iria deixar uma moça ser agredida por dois marmanjos. Quando
cheguei bem perto, eles não me viram, tamanha era a atenção no ato
de rasgar as roupas da moça e apreciar a carne macia e branca. Ela
já estava com os pequenos seios a mostra, vibrando por todos os
lados na luta desigual. Dei um grito, para desviarem a atenção e
darem uma trégua à coitada. Os dois me olharam com cara de ódio.
Usavam barbas grandes, semelhante aos lenhadores do Alasca. Suas
roupas eram simples e calçavam botas de cano curto. Eu pensava que
com o flagrante eles fugiriam. Mas pelo que presenciei em seguida, vi
que estava totalmente enganado. Largaram da moça e partiram para o
meu lado. Certeza eu tinha que não era para boas vindas. A garota
aproveitou o intervalo para se cobrir com o que restava das roupas.
Eu me considerava um individuo frágil, que não sabia brigar e não
era dado a violência. Imaginava que ao enfrentar os dois parrudos
certamente estava decretando o meu fim. O primeiro que avançou sobre
mim como um touro, não me pegou. Com um desvio rápido que até
fiquei surpreso, sai da linha de ataque e ele passou como uma
locomotiva se esfregando. Estavam me cercando. Não falavam nada.
Somente se ouvia a respiração bem perto, e os malditos gafanhotos
que estrilavam incessantemente. Dei um chute que acertou a barriga de
um deles, mas foi o mesmo que chutasse uma rocha. O individuo nem
careta fez. Um deles, o maior, se pegasse de jeito, me esmagaria
facilmente. Recebi um soco na testa meio de raspão e mesmo assim
fui atirado ao chão de costas. Meio zonzo peguei a arma no bolso e
atirei no vulto enorme que estava mais próximo, vindo para cima de
mim. Logo em seguida algo pesado como uma montanha caiu sobre o meu
corpo. Mãos de aço apertaram meu pescoço. Com o impacto devo ter
derrubado a arma. Não a sentia mais na mão. Estava perdido, tinha
chegado minha hora, pensei. Uma escuridão angustiante começou a
invadir meus olhos. Não vi nem senti mais nada. Quando acordei, mãos
macias e carinhosas passavam um pano úmido em minha testa. Chamei
por Eliza. Não era ela. Pensei estar no céu, respirando ar puro e
fresco. Um pouco mais de atenção e percebi o barulho dos
gafanhotos. Abri bem os olhos e vi que era a moça que tinha acudido.
Ela segurava minha cabeça sobre o colo. Abriu um bonito sorriso e
falou algo que não entendi. Com alguma dificuldade consegui me
levantar. Daí que tive uma noção do que tinha acontecido. Ao meu
lado jazia um dos brutamontes com a cabeça rachada. Um mingau de
terra e sangue aparecia na sombra da cabeça. Ao lado, um pedaço de
madeira roliça suja de sangue, provavelmente um galho de arvore
seca, denunciava a causa mortis. A três metros mais a frente outro
se encontrava estirado também. Era no qual tinha atirado. Deduzi
que, enquanto o grandão me asfixiava, a moça deu uma paulada em sua
cabeça. Ela tinha me salvado da morte certa. Próximo dali estava
meu revolver também. Pequei-o e guardei. A moça vendo que eu estava
bem olhou para mim com ar de preocupação e falou alguma coisa, que
entendi como ir embora. Assenti com a cabeça e ela saiu correndo
desaparecendo no mato como uma gazela assustada. Voltei para casa
todo quebrado e pelo espelho do banheiro vi o estrago em meu pescoço.
Estava vermelho e arranhado. Difícil seria arranjar uma desculpa
para aquilo, frente à Eliza. Por sorte, outro dia já estava bem
melhor e mais disfarçável perante olhares curiosos e pesquisadores.
Passei uma pomada cor da pele que disfarçou mais ainda. Comecei a
pensar em deixar de viajar no tempo. Ate agora tinha escapado de
situações perigosas. Para o futuro não sabia o que poderia
acontecer. Fiquei algum tempo quieto e longe do controle da cama. O
meu medo era em uma viagem sumir, para nunca mais voltar. A realidade
mostrava que os riscos eram bem maiores do que se previa. Mas por
outro lado a curiosidade tinha também suas forças e logo voltava a
sair pelas frestas dos anos, observando as gerações humanas no seu
desenvolvimento pelos séculos. Era uma aula ao vivo e uma aventura
tentadora. Mas como dizia o ditado, que “a curiosidade matou o
gato”, cada vez me acautelava mais. Não arriscava ficar em lugares
suspeitos e zonas de perigo.
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