Literatura- 19. O Tálamo...


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Despedi-me de Eliza e fiquei com aquela sensação de que ela em nada acreditou do que falei. Coloquei o bigode postiço, um chapéu, luvas e uma capa velha. Por sorte, achei as chaves no paletó do homem, que ficara sobre a cadeira no quarto. Achei uma carteira com documentos e algum dinheiro. Este passei para o meu bolso, dando pista de um roubo. Fui até o carro. De fato estava estacionado no fim do quarteirão. Cheguei devagar e fazendo de conta que era o dono, coloquei o casaco no banco ao lado e sai dirigindo rumo a um estacionamento. Alguns quarteirões adiante decidi que o bom seria deixar o carro no bairro onde o dono morava. Depois de quinze minutos estava lá. Deixei o veiculo em uma rua sem movimento. Àquela hora a cidade inteira já dormia. Uma brisa fria e persistente alisava a madrugada. Deixei as chaves no contacto ,torcendo para que algum ladrão encontrasse, o que para mim tornaria mais fácil. Na próxima grande avenida, apanhei um dos raros táxis que circulavam àquela hora e voltei para casa. Tive uma noite mal dormida e cheia de pesadelos. Via Aristides pendurado em um precipício, agarrado a minha perna, na eminência de ambos caírem. Acordei suado e ofegante, com a consciência cada vez mais me oprimindo. De manhã, vi que estava com olheiras e um aspecto deplorável, o que me lembrou os tempos de bebida. Fui ao trabalho mais pela obrigação que pela vontade. À tarde Eliza apareceu curiosa para saber mais detalhes e como eu estava. Disfarcei a conversa e continuei deixando os comentários mais pelo lado das facilidades que o da veracidade. Ela me olhava com ares inquisidores, como se desconfiasse de algo muito grave. E eu era o culpado por tudo que tivesse ocorrido de maléfico. Tudo aquilo incentivava minha consciência a cada vez mais apertar meu espírito no muro da angustia e do desconforto. Outro dia saiu a noticia nos jornais do desaparecimento. Tão logo Eliza soube, foi até minha casa para ter uma conversa seria comigo.
Chegou com aparência de transtornada e logo percebi que a coisa não iria ser fácil. Trazia consigo um pequeno livro que depois vi, era de poesias. Encarou-me seriamente e disse.
----O que você fez com o sujeito, PG. Você o matou?
----Está lendo poesias, Eliza?Não a conhecia esse lado. ---Tentei amenizar as emoções.
----Eu gosto de poesias... Agora responda a minha pergunta.
----Não... Não o matei. Quero dizer... Não sei o que houve com ele.
----Tem que haver uma explicação, e estou aqui para ouvi-la. Lembre-se que a única pessoa amiga que você tem sou eu. Se mentir para mim, saio por aquela porta e nunca mais me verá. ----Ela falou de um jeito tão serio e determinado, que o meu fragilizado ser pediu trégua.
----Sente-se ai que vou contar toda a historia para você. ----Disse eu pegando o pequeno livro e abrindo-o aleatoriamente, como que dando um tempo para estudar as palavras que iria proferir, aparentando muita calma. Comecei contando a respeito da cama e de suas qualidades mágicas, das viagens nem sempre bem sucedidas, ate chegar ao personagem que fizera desaparecer. Eliza a principio fazia uma cara de espanto e à medida que ia ouvindo abria a boca como se nunca alguém a contasse semelhante coisa. Quando falei que tinha sumido com Aristides ela imediatamente protestou:
----Você disse que nada faria de mal a ele. Faltou com sua palavra.
----Mas eu nada fiz de mal. Quero dizer... Eu não sei.
----Existe um jeito de consertar isso? ---Ela perguntou com ar de autoritária. Nunca a tinha visto com aquela expressão e me pegou como um menino quando faz uma molecagem e é descoberto.
----Posso tentar, mas nada garanto. Também estou arrependido.----Tem ideia para onde o mandou?----Sim... ----Respondi com firmeza----E no sábado volto para procurá-lo. Preciso ficar de bem comigo mesmo.
----Agora sim estou conhecendo o verdadeiro PG. Eu sei que você e um homem bom. Não poderia ter me enganado ----Disse ela fazendo um afago.----Fiquei um pouco mais calmo e pedi para ela fazer um chá para nós. Ela foi até a cozinha, remexeu por lá e depois voltou dizendo,com as duas mãos na cintura :----Só se fizer chá de folhas de limão ou da grama do seu quintal. Na cozinha não tem nada parecido.----Lembrei imediatamente da moça que me salvou. Onde ela teria arrumado o tal chá?----Deixa quieto então.---- Falei meio desapontado.
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Iria no próximo sábado e assim combinamos que ela estaria por perto para realizarmos a tarefa que para mim parecia árdua. Não poderia ir antes pelo meu trabalho. Se Aristides estivesse vivo, não sabia que o resgate demorou, devido a problemas do sistema que ele mesmo integrava, onde o homem é sujeito as horas, cartões de ponto e regras mil. Eliza olhava a cama ainda com descrédito, pensando talvez que eu tivesse ficado louco. Percebendo os seus pensamentos, a convidei para uma experiência para comprovar as minhas palavras. Ela relutante e desconfiada, aceitou. Coloquei-a sentada ao meu lado, encostada na cabeceira. Acionei o controle para cem anos no passado. Veio o clarão característico, que eu já estava acostumado. Em um piscar de olhos estava no mesmo campo onde vinte anos à frente eu tivera um caso com uma bonita loira. O lugar era de paz e tranquilidade. Passarinhos faziam festa nas arvores próximas numa algazarra sem fim, comemorando mais um dia bonito e alegre. A casa na elevação onde morava a loira ainda não existia. Eliza agarrou-se a mim, indiferente a paisagem, aterrorizada pela situação inusitada. Suplicou com veemência e ansiedade, que voltássemos rapidamente. Vendo sua fisionomia de desespero, fiquei impressionado com a sua reação e atendi rapidamente. Em segundos estávamos em meu quarto novamente. Sentia seu coração disparar de encontro com meu braço. Tentei acalmá-la, dizendo que não era nada de mais o que tinha acontecido. Corri pegar um copo de água com açúcar para ela. Depois de algum tempo ela voltou ao normal, mas mesmo assim ficou assustada com a aventura passada. Achava aquilo muito perigoso. E de fato era mesmo. Bastava um pequeno erro ou uma saída para mais longe do veículo, para se perder completamente. A partir desse dia, nunca mais sequer chegou perto do tálamo. Sentia um terror inexplicável. As mulheres encaram as coisas de modo diferente dos homens. São mais precavidas e moderadas. Talvez por isso elas sempre acabam vivendo mais. Mas com a experiência, ficou acreditando em tudo que eu dissera. Combinamos que outro dia eu iria atrás do Aristides. No sábado de manhã, Elisa já estava em casa. Trazia uma sacola onde tinha leite, alguns pães e vários pacotinhos de chá.
----Agora quando você quiser chá , é só preparar.----Disse sorrindo.
----Convém levar um pouco consigo ,também. O risco é tão grande que poderá ficar perdido no tempo, daí terá um chazinho para tomar .

Não dei muita bola para a sua conversa que denunciava um certo nervosismo. Eu já estava acostumado com a máquina e com as viagens.

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