Literatura - 20. O tálamo...

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Preparei-me para a missão, com a arma no bolso, e com sanduíches e água para caso me demorasse. Eliza iria ficar em casa para monitorar a viagem. Apertei o controle para a viagem mais importante que até agora tinha realizado. Era um trabalho que faria pela minha consciência. Não morria de amores pelo sujeito, mas também não sentia aquele ódio avassalador de tempos atrás. As vezes me questionava sobre mim mesmo,avaliando o grau de bondade em meu coração. Chegava a conclusão que era razoavelmente bom. Lembrei-me que ao ir embora sexta à noite, Eliza esqueceu o livreto na sala. Antes de me deitar abri-o, tentando desvendar um pouco da alma da moça. Dei de topo com uma poesia que me deixou perplexo. Ali estava com todas as palavras, o que eu vinha sentindo nos últimos dias.E parecia um aviso de ultima hora,onde temos que nos conscientizar de um grande mal.
O remorso é como brasa,
Na fornalha do tormento.
Nos mantém em um convento,
Solidão é a nossa casa.
Dilui alma e sentimento,
É jazer em cova rasa,
Tendo preso o pensamento.

Porque não há bom argumento,
Em que possa ser consertado.
Nem que o tempo seja tornado,
Não se cura o sofrimento,
Nem se conserta o estragado.
A vida e levada ao vento,
Por caminho esburacado.


Se ceifamos uma vida,
De nos também parte tiramos.
Pra sepultura levamos,
A mancha não dissolvida.
O que no passado marcamos,
Nunca mais é reconstruída,
E para sempre lembramos.

Se de alguém o bem tiramos,
De um futuro aventurado,
Em um ato de atentado,
Nossa gloria vira danos,
Em um inferno alcançado.
Lá há choro e desenganos,
Em meio aos desesperados.

Aquelas palavras foram para mim como uma brasa atormentadora sobre a cabeça e aumentou mais a ansiedade pela viagem. O sono demorou vir e quando apareceu, trouxe sonhos nebulosos , lugares frios e sombrios.
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Cheguei ao lugar marcado, que felizmente não era no tempo das feras. Quando o mandei, por um lapso de piedade, de ultima hora, resolvi alterar o destino. Aproximadamente dois quilômetros de onde eu estava, tinha uma pequena vila. Era ali o primeiro lugar a ser verificado. Mandei de volta a cama. Eliza já estava preparada para isso. Junto, foi um bilhete que informava que eu estava bem e seguia com a missão. Quando o móvel voltasse, era também o sinal que eu já estava a caminho de alguma solução. Deveria ficar longe e esperar que ela desaparecesse novamente. Seria a garantia que eu estaria de volta. Sai dali caminhando devagar em direção ao pequeno amontoado de casinhas. A manhã estava com um frescor agradável e me fazia sentir privilegiado em respirar aquele ar tão puro dos velhos tempos. Mas acima dessas observações estava a preocupação de encontrar Aristides. Fui me aproximando das casinhas, todas simples. Ao redor,a cerca de cem metros,a floresta verdejante abraçava a vila. Um silêncio total tomava conta de tudo. Não havia ninguém na suposta rua que era formada pelo direcionamento das casas. Estas eram afastadas umas das outras, sem quintais ou nada que limitasse seus terrenos. Bem a frente, de topo com a rua , não mais longe que quinhentos metros, tinha um prédio em formato de igreja, não era grande e tinha uma especie de torre com um pequeno sino que aparecia em forma de sombra contra a claridade da abertura do fundo. Mesmo a distância, dava para distinguir um desenho de uma linha só, semelhante a um logotipo sobre a porta de entrada. 

 A porta estava fechada. Mais perto, vi que era o desenho da cabeça de um cão...ou seria um lobo? Quanto mais eu adentrava o lugar ,mais parecia estranho. Percebi que olhares curiosos me acompanhavam pelas frestas das portas e janelas. Parecia mais uma vila fantasma. Não tinha crianças brincando nos espaços e muito menos barulho delas. Notei também que ruídos característicos de aves e animais domésticos eram ausentes. Pensei comigo que, se tinha uma igreja, poderia ter um padre ou coisa semelhante. Bati na porta da igreja com o desenho do lobo e esperei. Ouvi um rosnar grave e ameaçador do lado de dentro. Fiquei todo arrepiado e achei por bem me afastar dali rapidamente. Voltando atrás, na sequência resolvi bater em uma casinha das mais simpáticas. A porta abriu-se quase que imediatamente e apareceu um velho de uns setenta anos, com barba longa e branca como a neve. Seu olhar era duro e seu semblante nada tinha de amistoso. Antes de cumprimentá-lo ele adiantou, serio:
----O que está fazendo aqui? O que você quer?
----Procuro um homem. Deve ter passado por aqui nestes dias.
----Ele é seu amigo?
----É... Meu parente. ----Menti para amenizar a situação.
----Tem um individuo perambulando por aí, já faz cinco dias. Parece louco. ----Disse o velho, sem perder o olhar penetrante e o siso.
----Sabe onde o encontro?----Arrisquei.

----Não... E se o encontrar leve-o consigo. Aqui não gostamos de estranhos, bisbilhotando. ----Já deu para perceber... Obrigado. ----Respondi, já um pouco irritado

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