Porangaba antigamente, tinha o seu cinema em prédio próprio |
Se
adaptando a vida
Porangaba
sempre foi mais cultural que Guareí. Embora as duas pequenas
cidades fossem praticamente do mesmo tamanho,as manifestações
culturais tinham mais aceitação pelo povo e políticos da primeira.
Prova disso, presenciei quando ainda criança e era membro do grupo
de escoteiros. Esse grupo foi formado pelo Sr Laelson, um esforçado
cidadão em busca do progresso. O grupo de escoteiros durou pouco, certamente pela falta de
verbas e incentivo. Fomos de Guareí até Porangaba passando por
Tatuí onde desfilamos ao redor da praça da matriz. Era um caminhão
cheio de criançada, toda fardada,onde uma parte empunhava cornetas
estridentes e bumbos retumbantes. Eu já era um dos
corneteiros,depois de ficar com a boca inchada para aprender a soprar
o instrumento. Estava todo entusiasmado pelo passeio. Devido a falta
de estradas boas, fizemos um percurso semelhante a uma ferradura para
chegar ao destino. Guareí em linha reta fica a poucos 25 km de
Porangaba. Depois de Tatuí, passamos por Cesário Lange , sempre por
estrada de terra, não se incomodando com as nuvens de poeira
vermelha que tudo cobria e entrava pelas nossas bocas, deixando um
gosto esquisito de barro. Naquela época quase não tinha estradas
com asfalto. Chegamos em Porangaba e fomos recepcionados por um
guareiano, chamado Carlinhos,filho do Luizinho sapateiro. Ele residia
por lá, em uma bela chácara próxima a cidade. Teve um churrasco e
muita taubaina para a criançada. Logo depois do almoço, fomos
levados ao centro da cidade para conhecer melhor o lugar. Fiquei
admirado ao constatar que eles tinham um prédio próprio de cinema.
Em Guareí o cinema era adaptado em uma casa para comercio, emendado
com uma garagem de ônibus, para aumentar a plateia. Era hora da
matiné de domingo e deixaram os visitantes entrarem de graça.
Passava um filme do gênero faroeste, a cores. Me lembro que tinha
um diálogo de vaqueiros a noite ,ao redor de uma fogueira. Como o
filme estava pela metade e logo fomos chamados para sair, nunca
consegui identificar qual era o filme. Os anos se passaram as coisas
mudaram, crescemos e fomos embora para outros lugares. Quando morava
em São Paulo nos anos sessenta, a gente se encontrava nas imediações
da avenida Ipiranga, onde se reunia uma turminha de tatuianos. Era
sempre nos fins de semana, para conversar , tomar chope e olhar as
moças bonitas dos bairros, que passavam por ali. Tinha um rapaz de
Porangaba, que chamava a atenção de todos pela disposição da
conversa, pelo sotaque carregado do interior e principalmente pelas
frases acaipiradas. Era um sujeito simpático e todos gostavam dele,
pela sua alegria contagiante. Ele sempre falava de um tio que morava
em Porangaba e era um figura pitoresca do lugar. Toda cidade pequena
tem estereótipos que se tornam conhecidos do povo. Se pormos os
alcoólatras juntos, formamos um pequeno grupo. Em Guareí tinha o
João Musa, cuja risada ecoava pelos becos mais distantes como o
ribombar de uma trovoada. Muitos tinham cuidado, pois ele carregava
sempre um chicote e no calor da euforia, dava chicotada nos mais
próximos. Tudo por brincadeira. Bêbado também fica famoso. Tinha o
João Pijuita que brigava se alguém imitasse gato, insinuando que
ele estava miando de bêbado. Tinha também o Berto,que mexia pelo
centro, sempre alcoolizado. O pessoal dos sítios tinham dó e
pagavam bebida para eles, causando mais mal do que bem. Voltando ao
tio de nosso amigo de Porangaba,lembro que ele gostava de contar as
façanhas do tio. Sempre que ia por lá visitar a família vinha com
novidades. Segundo ele, seu tio era do tipo que, o mundo estava onde
ele vivia. Super bairrista, não existia outro lugar melhor do que
Porangaba. Certa vez o sobrinho estava para pegar o ônibus para
Tatuí. Naquele tempo, ônibus para São Paulo mais próximo era em
Tatuí somente. Foi se despedir do tio e este lhe falou: ---Por que
já vai?
---Preciso
ir tio, tenho que trabalhar na segunda feira.
---AAAhhh...
largue mão...fique aqui, que vai passar um firmaço no cinema.
Primeiro aquí, depois no Estado de são Paulo.
---Que
firme será ? ---perguntou o sobrinho.
---É
o "Arcideo, grande guerrero paraguaio"---Seria o filme "El
Cid".
Pra
ele,o nome dos atores de cinema da época eram " Reques
Errisso", "Rodolfo Escote", "Tirando Porva",
"Errou Fim" e uma lista infindável que para muitos tinha
que ser traduzida para ser entendida. Muitas eram as histórias
contadas pelo seu sobrinho, o que fazia a turma rir como nunca. O
tempo continuou passando a turminha foi se dispersando e perdendo o
contato uns com os outros. Hoje temos somente na lembrança,
passagens pitorescas e fatos que nunca esquecemos. E elas se tornam
histórias de velhos.
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