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Conseguimos
fazer umas manobras e não deixar Valdívia saber do ocorrido. Nessas
coisas, quanto menos pessoas envolvidas, melhor. Em seguida
dispensamos a empregada, alegando que o serviço já estava quase
terminado. Se ela resolvesse entrar no banheiro teríamos
dificuldades. Dissemos que aproveitasse o tempo para ir arrumando as
coisas em casa. Esperamos chegar à noite para resolvermos o problema
com os defuntos. Arranjamos dois sacos plásticos grandes e ensacamos
os ex-bandidos. Na semi-escuridão, encostamos o carro atrás do
caminhão que permanecia estacionado em frente à loja. Em parte o
baú escondia os movimentos de um lado da rua. Se alguém passasse
veria que estávamos fazendo horas extras, tirando as últimas
coisas do cômodo. Entre essas coisas dois volumes foram diretos
para o porta-malas do carro. Minha parceira me deixava cada vez mais
surpreendido com suas atitudes certas e precisas. Eu já tinha
deixado ela dominar e controlar a situação. Ela agia, eu observava.
Fechamos o caminhão e a loja, pegamos o carro e com Ísis no
volante seguimos para um lugar ermo. Quando saímos da cidade e
entramos em uma estradinha de terra, ela apagou as luzes do carro. A
escuridão era total e percebi que ela via cada buraco que aparecia
a frente, desviando dele. Depois de uma hora rodando por campos,
passando pela frente de sítios e chácaras, beirando rios e cortando
plantações de milho, ela parou a beira de um matagal. O carro
ficou propositalmente entre o mato e uma fileira de arbustos enormes
que o escondiam de olhares curiosos, se alguém passasse na
estradinha de terra ao lado. Em silencio desceu do carro e eu a
acompanhei. Olhei para o céu e vi a diferença.
Parecia que ali o
número de estrelas era muito maior que na cidade. Não sei onde ela
tinha providenciado uma picareta, uma pá e mais dois pares de luvas
de borracha. Com a picareta ela foi abrindo rapidamente uma cova, na
grama úmida pelo orvalho da noite, na entrada do matagal. Tentei
ajudá-la tirando a terra com a pá, mas ela era muito mais rápida
que eu, o que me deixava com falta de ar pelo exercício. Em pouco
tempo tínhamos um belo buraco de mais de um metro e meio de
profundidade. Jogamos os embrulhos dentro e começamos o processo de
tampá-lo. De repente ela pegou meu braço para chamar a atenção e
com o dedo a frente da boca fez entender que vinha alguém.
Puxando-me para traz nos escondemos agachados entre os ramos
cheirosos de uma planta. Dali cinco minutos vimos passar um vulto a
cavalo. O toque surdo dos cascos na terra ouvia-se de longe, somente
atrapalhado pelo tiritar dos grilos. Depois que ela calculou que o
individuo estaria bem longe, continuamos com o serviço. Depois de
cheio, ela ainda teve o cuidado de replantar a grama original que
tinha deixado de lado. Foi até dentro do mato e arrastou um galho
seco, colocando-o sobre o local do enterro. Era por volta de vinte
horas e no horizonte começava a aparecer o disco prateado da lua
cheia. A paisagem foi se transformando em variados tons de cinza. As
pedras maiores a beira do caminho refletiam a luz leitosa, podendo
ser vistas de longe. Ainda bem que terminamos o serviço antes da
claridade. Como se nada tivesse acontecido, ela calmamente dirigindo
de volta, olhou para a lua e disse:--Sabia
PG, que na minha terra tem duas luas?--Não
tive chance de vê-las. Mas parece que a noite lá é bem mais curta
que aqui. Reparei nisso quando estava cercado pelos lobos brancos. Os
escorpiões são enormes também.--Você
viu os lobos? Dizem que só andam a noite. Não podem suportar a
claridade do dia, e passam todo ele em cavernas.--É
verdade. Quando veio a aurora eles se mandaram.--Você
viu escorpiões também?--Sim...
Amarelos, maiores que minha mão aberta. Mas meio lentos.--Dizem
que são mais perigosos que os lobos. O veneno de um mata uma pessoa
em vinte minutos.--Também
deu para perceber. Chutei o bicho em cima da matilha e parece que um
deles foi picado. Vi-o morto de manhã. Chegamos ao hotelzinho quando
já era quase dez da noite. Outro dia pegaríamos o caminhão e
iríamos embora sem destino. Tinha que ser assim para ninguém saber.
Outros encargos burocráticos seriam resolvidos outro dia.
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