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Às
vezes eu me olhava no espelho e via que as rugas iam se acentuando
gradativamente. Meu cabelo passava do grisalho para um branco mais
acentuado. Meu corpo também já estava mais lento e minha cabeça
mais filosófica. Olhava em minha mulher e via que continuava suave e
fresca como uma manhã de primavera. Já estava atraindo olhares
curiosos quando a gente saia junto. Muitos pensavam que era minha
filha e alguns que era até minha neta. Por um lado eu não ligava e
ficava até contente com comentários tipo: “Será que ele dá
conta” ?Um dia perguntei a ela quanto tempo achava que durava aqui
na face da terra.A
resposta veio de supetão e sem rodeios:--Minha
durabilidade é de duzentos anos,mais ou menos.--E
quantos anos você tem?----Perguntei preocupado.--Estou
com quarenta e sete. ----Disse, erguendo as sobrancelhas.--Quer
dizer então que você vai-me enterrar e ficar por aqui um bom tempo?
----Ela fez cara de choro e me abraçando, disse:--Não
quero pensar nisso e muito menos em ficar sem você.--Mas
vai acontecer um dia. ----Falei olhando em seus olhos marejados.
Senti também uma dor no coração em ver sua tristeza em falar sobre
aquilo. Ela apertou-me mais forte, falando baixinho.--O
dia em que você se for, eu me desligo para sempre. ----Aquelas
palavras me deixaram mais emocionado ainda, mas fiz força para
conter a angustia e a bola formando na garganta. Tentei amenizar
dizendo que quando eu me fosse ela poderia ficar com tudo e ainda
arranjaria um marido mais jovem.---Você se esquece que eu não tenho
o espírito das mulheres humanas, querido. ----Disse se afagando mais
em meu peito. ----Não estão em meus interesses, bens materiais ou
outro homem, além de você.----Perante tal confissão, emudeci,
conseguindo somente acariciar sua cabeça de cabelos macios. Nem
tentei falar, porque o bloqueio na garganta era total. Nestas horas
gostaria que minha vida se prolongasse por mais cem anos para estar
ao lado dela todos os dias, por mais tempo. Era definitivamente a
mulher de minha vida. Considerava-me o mais privilegiado homem da
terra. Acho que era para compensar o passado triste e sofrido. Se
morresse dali alguns dias, iria feliz, considerando as contas
equilibradas, com o bem recebido, superando o mal do passado. A
balança dos sofrimentos e das bem aventuranças , para mim estava no
meio, nivelada.
Certa
manha, deixando as duas na loja fui até uma banca de jornal próximo,
comprar um matutino. Gostava de ler na parte da manhã enquanto elas
conversavam, esperando alguma compradora. A loja, devagar estava se
tornando especialidade em calçados femininos. A banca de jornal
ficava a três quarteirões da loja. Depois do primeiro, dobrava-se a
direita e andava mais dois. O sol estava enchendo todos os espaços
de alegria e vida, com sua luz poderosa. Na segunda rua tinha um
movimento incomum de carros, por ser uma ligação com a saída da
cidade. Ia bem tranquilo pela calçada, quando escutei gritos e um
ronco fora do comum, como se um veículo estivesse participando de
uma corrida em um autódromo. Houve uma batida seca dez metros atrás.
Mal deu tempo de virar, vi um veiculo rodopiando em minha direção.
Percebi rapidamente que tinha uma moça a minha frente. No segundo
seguinte, ela pulou sobre mim, me jogando com a costa na parede em um
nicho da coluna do prédio. Bati com força e senti meu corpo inteiro
doer com o impacto. Com ela me apertando na parede, vi que a minha
frente escureceu. Era o carro que batia com tudo, deixando eu a moça
grudada em um pequeno espaço livre, protegido pela coluna. Mediante
tamanho tumulto ainda deu para perceber o corpo da beldade me
pressionando com uma maciez tentadora, contra a parede. Totalmente
colada em meu corpo, fartos seios me pressionavam em cima no pescoço
e em baixo coxas roliças tiravam o movimento de minhas pernas. Uma
chuva de pequenas contas cúbicas , atingiu mais ela do que eu.
Estava até gostando da posição, embora durasse apenas um minuto.
Tão logo as latas se acomodaram tomando a forma da parede, ela me
soltou. Dai que a reconheci. Era a Celina novamente me acudindo.
Olhei admirado, a bonita amiga, já velha conhecida.--Eta
mundo pequeno. Olha nos se encontrando novamente.--Olá
PG. Prazer em vê-lo.--O
maior prazer foi meu. ----Disse com cara de malicioso. Ela ignorou.
----Vamos até a loja e te sirvo um café.--Obrigada,
mas não posso. Tenho outros compromissos.--Puxa
vida,parece que nunca podemos conversar a vontade, trocar umas idéias
sem que o relógio nos pressione?Pensei que você só cuidava de mim.
-----Disse gracejando. Começava a chegar socorro para o acidente. Na
verdade, era um foragido da policia que estava ao volante do carro
capotado. Parece que estava resolvido o problema dele e da policia,
pelo que dava para ver no carro, mais parecido com um pastel na parte
do motorista. Eu ainda segurava o braço da moça, como pretexto mais
para não deixá-la ir do que para me proteger.--Responda-me
então antes de ir, uma questão que me incomoda. ----Disse eu,
enquanto era puxado do beco por ela, por cima das ferragens.--Pode
falar... -----Disse ela, estando já a uma distancia segura do
veículo. Coisas que usam combustíveis costumam explodir sem menos
esperar.--Eu
queria saber até quando, eu vou ser salvo por você.--Fique
tranquilo, que vai durar muito ainda, desde que não procure
encrenca. Vai chegar ao mínimo nos noventa.--Há...
----Gritei satisfeito com a resposta. -----Exatamente o que queria
saber. Mas eu não procuro encrenca. São elas que se me apresentam.
Olha agora por exemplo. E no caso do acidente com o ônibus, também.--Bom..
você tem rasão. Ainda bem que cheguei a tempo.--Cuide-se
PG.----Peraí...você não vai sumir de repente sem ao menos se
despedir de um velho amigo dependente.--Está
bem...Até mais então.----Dizendo isso me deu um abraço, que foi o
melhor abraço do mundo , igualando somente com o da minha amada. Por
um instante pareceu-me estar no mesmo lugar paradisíaco onde
estivera em sonho tempos antes. O seu perfume já conhecido me
envolveu deixando minha cabeça além de minha vontade. Se ali ela
dissesse:--- Vamos embora comigo--- Creio que não resistiria o
convite e largava tudo sem dar explicações. Parece que ela sabia
dos efeitos que me causava e deixou o contato mais curto no tempo. Se
afastando, deu um chauzinho e em seguida sumiu como se fosse um vapor
de água subindo na atmosfera. Lembrei do mito das sereias. Essa se
fosse uma, estaria dentro das especificações em atrair os homens.
Mas ela era o contrário. Em vez de destruir, salvava.
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