Desperdício da incompetência



















CARTÃO DO SISTEMA UNICO DE SAÚDE COMPLETA DEZ ANOS
SEM SAIR DO PAPEL.

Mais de R$ 397 milhões foram gastos no programa, mas governo não sabe
nem o que foi comprado com a verba.
Lígia Formenti, Estadão.

Dez anos após seu lançamento e com R$ 397 milhões já consumidos, o
programa Cartão SUS mal saiu da fase piloto. Considerado uma proposta
promissora para controlar gastos, melhorar as condições de atendimento
e racionalizar o Sistema Único de Saúde, o cartão se resume hoje
praticamente a um cadastro de números de pacientes, cuja veracidade em
muitos casos nem mesmo é garantida.


Num documento lançado no fim de 2008 para comemorar os 20 anos do
SUS, o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) afirma ser
imperdoável o cartão não funcionar de forma adequada. "A pergunta que
devemos fazer é: quem lucra com o sistema pouco organizado?", diz a
pesquisadora e integrante do Cebes, Lígia Bahia.


Quando a idéia foi lançada, o programa era muito mais do que um simples
cartão. O projeto previa a criação de um sistema informatizado, de base
nacional, por meio do qual seria possível acompanhar as informações de
saúde dos usuários: quando e onde eles foram atendidos, quem os atendeu,
o que foi receitado, que exames foram pedidos.

"Tenho certeza de que, se tal sistema fosse implementado, o SUS teria tudo
para disparar em qualidade. Seria melhor do que o melhor dos planos de
saúde", avalia Rosangela Silva, que durante cinco anos foi coordenadora
estadual do Projeto Cartão SUS no Rio Grande do Norte e hoje coordena
o Programa Bolsa Família do Estado.


Na fase de lançamento, era previsto que a implementação de todo o
programa custaria em torno de R$ 610 milhões. Hoje, dez anos depois
e consumidos quase dois terços do orçamento original, não é possível
saber ao certo nem mesmo que destino foi dado ao investimento. Em
2008, um grupo de trabalho foi formado no Ministério da Saúde com
a missão de fazer um levantamento do programa e traçar uma
reformulação, para finalmente tirá-lo do papel. As propostas já estão
prontas, mas só se tornarão públicas depois de submetidas à análise
do presidente Luiz da Silva.


Pouco se fala sobre o destino do dinheiro que já foi gasto. Questionado,
o ministério não soube informar quantos dos 30 mil funcionários que
inicialmente deveriam ter sido treinados efetivamente receberam a
capacitação. Nem sabem quantos deles ainda atuam no serviço público
de saúde. O ministério também não soube informar quantos
equipamentos da primeira fase foram comprados nem onde estão
aqueles que tenham sido comprados. "Passado tanto tempo, tudo
estaria muito obsoleto", justificou a secretária-executiva da pasta,
Márcia Bassit.


O programa piloto deveria ser executado em 44 cidades, distribuídas
em 11 Estados. Desde o início, o processo de licitação foi ruidoso. Diante
de denúncias de irregularidades, um edital foi suspenso. Outra licitação
foi feita, mas, novamente, denúncias de favorecimento começaram a
aparecer. Uma ação na Justiça foi interposta e uma sindicância foi aberta.
Por fim, as empresas vencedoras Hypercom e Procomp foram confirmadas
e um contrato foi firmado para que elas distribuíssem, nos municípios do
projeto piloto, 14 milhões de cartões magnéticos entre usuários e
profissionais do SUS.


Também deveriam ser providenciados equipamentos para armazenar,
na esfera federal, dados captados durante atendimentos realizados nos
serviços públicos de saúde. Além disso, seriam comprados 27 conjuntos
de equipamentos para instituições estaduais, outros 44 para municípios e
10 mil terminais.

Apesar de o resultado prático ser bem diferente do que havia sido previsto
no projeto, Márcia afirma que não há como dizer que o sistema não foi
instalado. "Ele apenas não atingiu, até o momento, o objetivo proposto
originalmente." Ainda segundo a secretária, as empresas foram penalizadas
por isso: "Pagamentos não foram realizados, não houve aceitação final do
produto contratado e não houve liberação do depósito de garantia até o
momento." Das 22 parcelas previstas no contrato, somente a última, no
valor de R$ 10 milhões, não foi paga.


A secretária atribui a lentidão do programa aos erros cometidos na sua
implantação, sobretudo no projeto piloto. E afirma que, agora, um plano
está em curso para corrigir os problemas. "Houve uma sucessão de equívocos.
Um projeto piloto grande demais, o uso de tecnologias que não eram
compatíveis. Tudo errado."A estratégia agora é incentivar a criação de
programas locais. Hoje, o cartão SUS se resume a um cadastro com 130
milhões nomes. Desse total, 100 milhões são considerados confiáveis.
Para a secretária, isso já é um grande avanço. "É o primeiro passo. Sem
esse cadastro, não haveria como o sistema funcionar."


SEM JUSTIFICATIVA


Para Lígia Bahia, do Cebes, eventuais erros iniciais ou problemas na
licitação poderiam justificar um pequeno atraso, mas não uma demora
de 10 anos para o programa sair do papel. "Não há argumento que
sobreviva a uma demora de tanto tempo."Aplaudido por especialistas, o
programa era considerado como uma boa aposta para melhorar a qualidade
no atendimento da saúde, com um banco de dados centralizado sobre o
histórico médico de cada paciente. "Mesmo que ele mudasse de cidade,
o histórico estaria lá, pronto para ser usado pelo outro profissional de
saúde", afirma Lígia.


Do ponto de vista administrativo, o sistema também pode auxiliar a
identificar as falhas ou mudanças de demanda e, com isso, nortear os
serviços de saúde. "Sem falar no controle que poderia haver, por exemplo,
sobre atendimentos de pacientes de planos de saúde no SUS", completa ela.

Se nem uma coisa simples como essa conseguem organizar, imaginem outras
maiores. Por isso que o país sempre foi bagunçado.
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