O sobrado





















Quem é de fora, ou mesmo os mais novos, veem este prédio como mais
um casarão abandonado como muitos, em muitas cidades.Como sou
da terra, passei minha infância tendo como cenário quase todos os dias,
esse edificio, que ficava no caminho da escola e próximo ao cinema.

Era o sobrado do Chico Ribeiro.Creio que foi só dele, porque em minha
temporada guareiana, a familia toda morava alí.Hoje, analisando a foto
acima, vejo uma tristeza sem par em suas feições, de madeira antiga e
tijolos vermelhos, que perderam parte da roupa da mistura de cal e
areia que os protegia.

Foi construido em época que cimento era só importado.Daí a técnica da
união da alvenaria com a madeira.Tristeza talvez pela lembrança dos
dias de glória,quando a vida era exaltada entre suas salas e escadas
movimentadas.Tristeza talvez pela lembrança de dias longíquos, onde
o aroma forte e indiciante do Eugenol, circundava o pequeno
consultório dentário.

Ele ficava na ultima janela do lado esquerdo da foto.Primeiro era uma
janela comum de madeira com a metade inferior tapada por um pano,
pregado no batente. Depois foi trocada por um vitrô basculante, que
permanece até hoje, destoando como um modernismo inserido , no
meio de um sistema arcaico.

Muitas vezes quando passava pela frente, escutava as algazarras e
brigas, vindas do andar superior, coisa normal em familia grande.
Nêsses tempos o sobrado vibrava, com suas entranhas agitadas pelo
cotidiano barulhento.Franciso Ribeiro da Silva, se a memoria não
falha, tinha nove filhos.

Dentista de primeira linha, tinha uma fala educada e aprimorada no
idioma.Outra incoerência, em uma região onde o português é falado
de forma desajeitada e sacrificado nos verbos.Seus filhos enumerando
dos mais velhos para os mais novos,eram:Paulo , Wilson, João, Áureo,
Francisco(Chiquinho), José (Zé Carambola)e Ruy.

Das filhas que me parece eram duas, lembro da mais velha, a Sonia.
O Francisquinho era da minha geração.Alguns deles sairam pelo
mundo ganhar a vida como o Paulo o Aureo, o Ruy e o Francisco.
Outros permaneceram e formaram familia.

O sobrado continua lá, como um livro antigo abandonado, no fundo da
prateleira de uma biblioteca pública.Um livro que tem muitas historias
guardadas em suas páginas, fechadas por madeira e tijolos.Sempre tive
curiosidade em subir para ver como era lá em cima. Nunca tive a
oportunidade.Só conhecia os sons familiares que vinham de lá, quando
passava pela frente.

Creio que a familia do Chico Ribeiro hoje esta´multiplicada em seus
netos bisnetos e talvez tartaranetos.Ele ja se foi, depois de ter cumprido
seus dias aqui como bom dentista, atendendo a população carente.O
sobrado continua ali na esquina, maltratado, mas firme. Testemunhando
o passado e ficando cada vez mais velho. Igual a nós.

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