Jantar sofisticado



A pequena turma de seis pessoas conversavam animadamente na pequena área da casa na rua Clélia, na Lapa.Eram somente rapazes, que passaram o dia nas industrias trabalhando. Ali tinha torneiro,serralheiro,mecânico e um auxiliar de desenhista que era eu.

Estava começando a luta por uma vida mais decente, sendo que até ali só tinha lidado com couro e trabalhado em sapatarias sem nenhum registro trabalhista.Ainda trazia nas mãos os calos e cicatrizes da profissão.Estávamos ali , esperando o jantar.

A dona da casa, um mulherão tipo jamanta(Mulher grande,com ombros mais largos que os quadris e de seios fartos) dominadora e mandona, trabalhava na cozinha preparando a comida para os pensionistas. Parece que tinha criança pequena, pois ocasionalmente a gente  escutava choro.Só servia comida.

Quando perguntei a ela dias antes, sobre uma vaga para dormir, ela me levou até a casa ao lado onde morava a irmã e o cunhado.O cunhado pelo modo de tratar com ela , percebi que vivia sob sua tutela.Ela dominava tudo ao seu redor. Parece que era daquelas familias que migravam para a cidade grande, depois que um de seus componentes arranjava emprego.

Um se fixava, e vinham todos atrás. A pensão era certamente um negócio provisório,  um meio de se ganhar dinheiro sem maiores problemas. A hora que todos arranjassem empregos decentes deixariam o negócio. Muitos dizem que aquela época em São Paulo,a gente deixava um emprego , atravessava a rua e arranjava outro do lado oposto.

O marido dela, nunca vi.Talvez porque trabalhasse fora ou já tinha dado no pé.Eu não gostava daquele ambiente e torcia para aparecer um oportunidade rapidamente, para deixar o lugar. Talvez fazer o que provavelmente o marido da jamanta fez. Ja tinha combinado na pensão de baixo, da rua Faustolo, que assim que aparecesse uma vaga, era para me avisarem.

Parece que todo mundo tinha medo do mulherão. Quando ela aparecia na área, todos se calavam.Parecia que estavam ligados a ela por resistentes fios de dependência. As vezes a comida demorava e ninguém reclamava.Quando estava pronta a mesa ela chamava a turma com aquela voz dominante, dando a impressão de  nos fazer um grande favor.

Algo semelhante a alguém vender água para algum sedento, perdido no deserto escaldante.Sentávamos a mesa e embora fosse pago, a comida se resumia em arroz e uma salada de alface.Havia uma crise de feijão e ele tinha desaparecido da mesa do paulistano.Depois de comerem, os rapazes iam saindo devagar, como se afastassem de uma jaula e da proximidade de um bicho perigoso.

Cada um tomava seu rumo, sempre nos arredores.Outro dia, no mesmo horário, estariam ali novamente, pedindo bênçãos a jamanta.Fiquei pouco tempo. Logo mudei para a pensão de baixo.Até hoje me lembro do sofisticado jantar.Felizmente nesta vida tudo passa.Ela é feita por temporadas. As vezes demora um pouco, outras vezes muda mais rápido. Mas sempre muda, indiferente a nossa vontade.

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