Os gibis de nossa vida.
Quando criança,logo que aprendi a ler, comecei a me envolver com gibis. Tinha um vizinho na parte de baixo da rua que tinha muitos filhos e eu lá estava sempre brincando com eles.O pai era motorista do ônibus que ia a Tatuí e sempre trazia novidades das historias em quadrinhos para a criançada. Depois que liam , emprestavam pra gente.Quando aparecia alguns trocados, comprava alguns usados.Devagar fui formando minha coleção.
Era importante porque servia de barganha para emprestar outros que não tinha lido.A gente emprestava um e pegava outro.Depois de alguns dias fazíamos a devolução e pegava o nosso novamente.No quarto de minha mãe eu deitava de bruços na grande cama e minha cabeça viajava pelas aventuras mil que emanavam dos desenhos em forma de magia.
Era como viajar para outros mundos junto com os personagens e passar pelos perigos e aventuras que eles passavam.Ficava ali envolvido por horas.Quando não tinha nada de novo para ler, revia as velhas. Minha mãe não via com bons olhos os gibis.Em sua ignorância nata, não sei quem disse a ela que aquilo não era bom para crianças.
Levou aquilo como verdade, sem fazer uma análise melhor para ter um opinião mais concreta.De vez em quando ameaçava de queimar minha preciosa coleção que já tinha umas dez revistas.Certo dia estava eu tão absorto na leitura que demorei um pouco a atendê-la.
Foi o que bastou para a ira tomar conta de suas atitudes e em minutos eu via, chorando, os quadrinhos irem amarelando graduadamente até ficarem negros como a raiva de minha mãe e na sequência as chamas tomavam conta dos cowboys, seus cavalos e da paisagem montanhosa no plano de fundo. No fim restaram somente as cinzas e minhas lágrimas.
Depois de algum tempo,veio até a casa de meu tio a Zélia,sua cunhada que morava em Tatuí. Ao falarmos de historias em quadrinhos, ela percebendo o quanto eu gostava, prometeu trazer-me alguns gibis.Não levei muito a sério e considerei aquilo mais uma conversa de agrado.Passado alguns meses ela mandou alguém me entregar um pacote fechado e amarrado.Sabendo que veio da Zélia já adivinhava o que seria.
Foi o presente mais querido que recebi quando criança.Fiquei amando a moça pelo presente e ao ver que era uma pessoa de palavra.Tinha no pacote mais de dez gibis variados.Passei a guardá-los em esconderijo ,como se fossem um tesouro precioso, longe das vistas de minha mãe.A medida que o tempo passava as coisas mudavam e também a cabeça de minha mãe.
Logo ela não ligava mais para aquilo e talvez até tivesse esquecido da queima de cultura que ela praticou.Quando tive meus filhos, fiz questão de encaminhá-los pelo mundo maravilhoso das historias em quadrinhos.Toda semana comprava um Pato Donald ou uma Mônica para eles.Mas a lembrança dos meus heróis indefesos, atacados pelo fogo, até hoje persiste.
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