Literatura-4. O tálamo...

---- Ligue que posso fazer um desconto, já que alguém me indicou.
----Há... Obrigado. Satisfaça minha curiosidade. Eu tinha um amigo taxista que por sua vez tinha um esposa ciumenta. Ela não gostava que ele levasse mulheres para encontro em motéis. Em sua ignorância, achava que ele poderia ficar por lá etc. Aparece muitas corridas desse tipo para o senhor?. O velho se abriu e disse, baixando a voz como num segredo:- --- As vezes surge alguma. Parece que elas preferem os velhos taxistas que são mais discretos. Felizmente a velha lá em casa já passou dessa época. Sabe de uma coisa? Fui levar uma moça bonita até a praça treze. Não é a primeira vez que a levo lá. Parece até que se encontra com alguém. ----É mesmo? ----E incentivei. ----Ter mulher bonita hoje em dia e um perigo. Quer dizer... Se for casada.
----Olha, eu acho que é. Parece que usa aliança. E se fosse solteira, não precisaria ir ate a pracinha de carro. O namorado a pegaria em casa... Não é mesmo?
----Certamente. ----confirmei. ----Mas o Senhor já viu ela sair de lá com alguém?
----Não... Não deu para esperar. Mas ela fica parada esperando em frente a uma revenda de carros.
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Já tinha dados suficientes para iniciar uma investigação mais sólida. Com isso aumentou minha angustia e uma batalha mental surgiu em minha cabeça. A desconfiança mostrava dois caminhos: Um era deixar quieto e ver até onde iria. Outro seria desmascarar de vez e resolver rapidamente. A minha cultura machista optou pelo segundo caminho. Voltei para casa bastante nervoso com a situação, mas perfeitamente controlado. Comecei a planejar o que faria a partir daquele dia. Cheguei a casa, abri uma cerveja, me sentei na sala e comecei a estudar. Ultimamente tinha aumentado o consumo de cerveja. Atribui isso ao desemprego e a maior permanência em casa. Com um pouco de álcool no sangue, via as coisas com mais otimismo. Naquele momento urgia um plano para por a cabo. Era conveniente desmascará-la quando chegasse, ou deveria antes disso obter mais provas. A voz da rasão me indicou que deveria esperar. Poderia ser um grande engano, ela talvez esperasse uma amiga na praça, que trabalhava ali por perto. Isso é muito natural e normal. Teria que obter mais provas. Por outro lado vinha o pensamento de perdê-la e com isso não me conformava. Não estava preparado para tal desastre. A paixão me dizia: “Esqueça tudo, você não fica sem ela. Nada está acontecendo”. A rasão retrucava:- “Não confunda coisas de sua cabeça com fatos reais. Procure mais provas e tire conclusões mais exatas”. Depois de muito analisar, resolvi que iria esperar. Lá pelas sete da noite ela chegou. Viu-me no sofá deprimido, chegou perto e me deu um rápido beijo, se desculpando pela demora. Era especialista em atuar, pensei eu, procurando captar um gesto em falso, uma palavra deslocada. Porem ela agia de modo natural e não deixava nada transparecer. Isso me deixava aturdido e em alguns momentos me via como um grande monstro, desconfiando de tão doce criatura. Nesses tempos já havia acertado com a empresa e recebido tudo de direito, quando se recebe ao ser mandado embora. Peguei o dinheiro e coloquei provisoriamente em um banco para ver em que projeto iria aplicá-lo, tempos depois quando estivesse com a cabeça fresca e me adaptado ao mundo aqui fora. Quando se fica muitos anos em uma empresa, acaba-se tendo dois mundos. Um é o do lado de dentro da firma onde passamos um terço do dia. Outro e o mundo real da nossa casa, da nossa rua, da nossa família. Às vezes o mundo da empresa fica maior e mais importante que outro. Aí a situação fica perigosa. Existe empresários que forçam os funcionários à quase morarem no local de trabalho, pedindo horas extras à noite. Passados dois dias, ao chegar a casa por volta das dez da manhã, peguei Beatriz falando com alguém ao telefone. Eu tinha ido até um supermercado próximo comprar algumas cervejas. Ao abrir a porta ainda deu para escutar:- “As quatro? Está bem.” Entrei fazendo de conta que nada percebi. Ela meio sem jeito tentou justificar:-
---Era a Marilda... Quer que vá com ela ao Shopping escolher uma saia.
----Ótimo... É sinal que você tem bom gosto.
----Como assim? Perguntou ela ainda meio aturdida.
----Ela, sua amiga, sabe que você tem bom gosto. Por isso quer sua opinião na hora da compra.
----Há... Sei. Será mesmo que tenho bom gosto?
----Definitivamente. ----Respondi. Ela completou com um sorriso de satisfação.
Rapidamente comecei a estruturar meu plano. Já sabia a hora e se estivesse errado só perderia um pouco de tempo. Ansioso com o passar das horas, quando chegou perto das três, arranjei um motivo para sair. O inicio do percurso eu já sabia. A praça treze é que seria a continuidade ou o desvanecimento de minha duvida. A pior coisa do mundo é viver com duvida. Tinha que resolver aquilo para garantir as próximas noites de sono. Peguei um táxi nas proximidades e rumei para a praça. Eram quinze e trinta quando estava chegando à pracinha. Procurei um lugar estratégico para esperar. Devia ficar atento a algum táxi que chegasse. A pracinha nada era a mais que um triangulo formado pela bifurcação de uma rua. No centro, uma grande arvore ornamentava o lugar, tirando um pouco a dureza do concreto urbano. Posicionei-me em um ponto entre um bar e uma banca de jornal, ficando na sombra que já se esticava de um prédio velho rumo ao meio da rua. Da praça seria difícil me ver ali, embora a distancia não fosse grande. Na esquina, no começo da bifurcação, fixada em uma velha casa bem acima da porta, uma placa esmaltada de cor azul com letras brancas, onde se lia: - “PRAÇA 13 DE MAIO”.

Uma brisa leve refrescou minhas preocupações. Um papel no chão ameaçou alçar voo para ver a paisagem de cima, mas faltou ajuda do vento. Faltavam dez minutos para as quatro da tarde, quando um táxi encostou. Esperava ver Beatriz descendo, mas em vez dela desceu uma velha que pacientemente esperou um espaço no trânsito para atravessar a praça. O desânimo começava a me invadir e comecei a achar que estava fazendo papel de bobo, esperando que algo quase impossível fosse acontecer. Apareceu outro táxi. Passava dez minutos das quatro. A porta se abriu e quase cai de susto ao ver que era minha mulher. Existem certas coisas que a gente luta com todas as forças para não acreditar. Porem ali estava ela e meus olhos não me enganavam. Com o coração acelerado, vi-a pagar o motorista e seguir pela mesma caçada um pouco adiante e parar ao lado de outro carro estacionado. Atrás deles, tinha mesmo uma loja de revenda de carros. Era um carro de cor escura que eu não tinha visto chegar. O transito no lugar era movimentado e com isso dificilmente algum veiculo chama a atenção. Ela chegou ao lado da porta do passageiro e bateu no vidro. O motorista saiu do carro, deu a volta e foi ate ela. Vendo o homem, segurei na parede com todas as unhas para não cair desmaiado. Passado o atordoado, voltei a observar com mais atenção e vi que o homem que acariciava minha mulher era o meu pior inimigo. O meu ex-chefe Aristides. O sujeito que me demitiu,a representação humana de meus sofrimentos. Aquilo caiu como uma bomba em minha cabeça. Por um momento fiquei absorto na confusão de pensamentos sem saber o que fazer. Tive um ímpeto de sair correndo para bem longe, mas minhas pernas fracas pela emoção, não se moviam. Fiquei ali parado, com os olhos vidrados na cena, ver ela entrar no carro e sair dali com aquele ordinário. Permaneci por mais um tempo em estado letárgico, procurando conter as lagrimas insistentes. No caminho de volta, mil pensamentos afloravam e não conseguia descobrir um jeito de resolver aquilo. Considerava-me completamente desgraçado e sozinho.

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