Literatura-13. O tálamo...

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Deitado ali no sofá, estagnado, só minha mente funcionava a todo vapor. Estava intrigado em encontrar uma pessoa que era parecidíssima comigo há oitenta anos. Poderia ser um parente distante?Poderia ser eu mesmo?Quanto à aparência, certamente era idêntica, senão o cão e também a moça perceberiam. Em uma coisa eu tinha certeza, em fugir rápido. Se nos dias atuais as pessoas matam por isso, imagine oitenta anos atrás. Precisava tirar aquilo a limpo, mas isso ficaria para outra hora. Era mais um mistério que surgia. Tocou a campainha em três toques. Era a Eliza que chegava. Recompus-me rapidamente e fui atendê-la fazendo cara de sono, como se estivesse acordando de uma longa sexta. Ali estava alguém que me queria bem de verdade. Embora não fosse uma beldade, eu gostava dela pelo jeito simples e direto de encarar as coisas. Eliza era uma mulher pratica. Como minha teoria em linhas atrás, nessa época acontecia tudo comigo, mas não sabia se as implicações seriam boas ou más. Mais pela frente verão que viver, é uma ventura boa e perigosa. Nas loucas viagens, passei por perigos eminentes e prazeres inconsequentes. Mas em minha cabeça, um grilo persistente nunca parava. Comecei a me analisar, procurando a rasão daquilo que deixava as coisas incompletas. Era como uma sineta em miniatura que não me deixava esquecer o passado. A culpa e a sede de vingança recaiam na pessoa de meu ex-chefe. Via nele a causa de todos os meus males. Beatriz era apenas umas das vitimas, segundo minha teoria. Procurava esquecer e desviar as ideias para coisas mais saudáveis, mas bastava ouvir alguém falar no diabo ou coisas maléficas, um som ou ruido de escritório, que imediatamente ligava a sua imagem em minha cabeça. O grilinho não parava de cricrilar. Aquilo me deixava com a sensação de ter deixado algo por fazer. Impressão ruim e enervante. Lembrava dos tempos na empresa e surgia à conhecida e aniquiladora angustia. Para retornar a paz total, precisava aprontar uma com aquele individuo. Não queria matá-lo, mas apenas dar uma lição inolvidável. Isso não fazia parte dos mil planos arquitetados no decorrer dos anos. Dentre os mil, depois de certo tempo, encontrei um que beirava os caminhos da perfeição. Não iria aparecer, o que me excluiria de suspeitas. Usaria uma terceira pessoa. Essa pessoa seria Eliza. Pensava em usá-la somente como isca, sem envolvê-la seriamente. Iria prepará-la devagar e quando estivesse pronta, acionaria o esquema.
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Na segunda feira, chegando a casa, resolvi dar uma olhada na loira de outro dia, há oitenta anos atrás. São essas atitudes curiosas que muitas vezes levam o individuo a morte. É aquela chama que arde no coração do homem, como a chama da vela atraindo a mariposa. A beleza feminina atraindo para o perigo. Os juristas chamam essas pessoas mal sucedidas de: Vítimas de crimes passionais. Prometi a mim mesmo que teria o máximo de cuidado. Consegui chegar ao mesmo lugar, o que me deu a certeza que a máquina era confiável. Estava quase escurecendo e fiquei a certa distância observando, deitado na grama rala atrás de pequenos arbustos. O cheiro fresco das gramíneas evocavam tempos da infância, quando nossas brincadeiras eram em um campinho. Estava tudo quieto com exceção de um galo cantando em algum lugar, de minuto em minuto, como se fosse um relógio anunciando as horas. Esperei vinte minutos e ninguém aparecia. Notei que na baixada onde eu estava,tinha um poço que certamente abastecia a casa. Era cercado de pedras assentadas, formando uma parede circular em torno do buraco. Uma balde de madeira com um pedaço de corda amarrada ao arco estava ao lado. Encostado a paredinha tinha um verde deslumbrante, formado por folhinhas de hortelã. Lembrei que era uma plantinha que gostava de umidade. Vi um movimento no lado de fora da casa. Era o individuo parecido comigo que saía, com um machado na mão. Foi até um monte de lenha e começou a cortar cavacos que servissem no fogão. Vendo aquilo, vi que não havia possibilidades de me aproximar. Me arrastando até a nave, voltei para casa. Pensei em voltar novamente no sábado. Uma hora teria a oportunidade de conversar com a moça e pedir desculpas pelo meu ato e obter algumas respostas. Mas no meu intimo , queria mesmo era abraçá-la novamente, mesmo correndo riscos. Apenas tentava achar desculpas para encobrir tais ideias e ludibriar a mim mesmo,quando as partes de baixo começam a pensar no lugar do cérebro. Estava praticando os mesmos atos desonestos do Aristides e não percebia. No sábado após o almoço, depois de uma sexta, resolvi dar outra olhada. Cheguei e fiquei esperando no mesmo lugar. Depois de meia hora, ela saiu e veio com uma vasilha em direção ao poço. A minha posição ficava entre alguns arbustos baixos, mas dava para esconder a mim e a cama. Quando ela se aproximou bastante, eu chamei sua atenção, falando baixo. Ela levou um susto, me vendo deitado no chão,mas logo se recompôs.
----Você aqui de novo?Afinal quem é você? Meu marido que não é.----Estava com cara de brava, como se tivesse sido enganada.
----Desculpe, mas e que outro dia não tive tempo de explicar. Ele está em casa?
----Está sim... E tome cuidado... Não saia daí... E é melhor ir embora logo.----Ela falava e ao mesmo tempo fazia os movimentos de tirar água do poço. Com isso não levantava suspeitas se alguém a visse de longe.
----E que eu queria conversar e explicar as coisas. Quando poderia vê-la sem a presença dele?
----Não sei.---Depois de alguns segundos, para a minha alegria, continuou.----Semana que vem ele vai até a cidade. Fica o dia todo por lá.
----Sabe o dia que ele vai?
---Sempre é na terça feira. Sai de manhã e volta à tarde.
----Está certo... Eu volto. Deixe um pano branco na janela se ele estiver ausente... Há! Mais uma coisa que quase ia esquecendo... Que dia é hoje, mesmo?----Ela sorriu como se me achasse com cara de bobo. Quem era aquele sujeito que nem sabia a data em que estava?
----Hoje é dia 20 de Maio de 1920, quinta feira. ----Disse de forma didática. Fiz uma cara de mais bobo ainda e ela perguntou:
----Afinal, de onde vem você? Parece que está fora do tempo.
----Na verdade, estou mesmo. Mas outra hora, explico. ----Dizendo isso cheguei ate a cama atrás das moitas e voltei para casa. Para ela eu tinha sumido no meio do mato. Em casa, comecei a analisar que se não tivesse perguntado a data a ela, certamente iria ter um enorme trabalho em descobrir. Eu sabia que existe uma diferença de dias a cada ano que passa, devido à falha de nosso calendário. Às vezes chega a dois dias de diferença, de um ano para outro. Se hoje é quinta feira dia “X”, ano que vem, esse mesmo dia “X” cairá em uma sexta ou sábado, ate completar o ciclo de sete dias, em sete anos.


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