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Deitado
ali no sofá, estagnado, só minha mente funcionava a todo vapor.
Estava intrigado em encontrar uma pessoa que era parecidíssima
comigo há oitenta anos. Poderia ser um parente distante?Poderia ser
eu mesmo?Quanto à aparência, certamente era idêntica, senão o cão
e também a moça perceberiam. Em uma coisa eu tinha certeza, em
fugir rápido. Se nos dias atuais as pessoas matam por isso, imagine
oitenta anos atrás. Precisava tirar aquilo a limpo, mas isso ficaria
para outra hora. Era mais um mistério que surgia. Tocou a campainha
em três toques. Era a Eliza que chegava. Recompus-me rapidamente e
fui atendê-la fazendo cara de sono, como se estivesse acordando de
uma longa sexta. Ali estava alguém que me queria bem de verdade.
Embora não fosse uma beldade, eu gostava dela pelo jeito simples e
direto de encarar as coisas. Eliza era uma mulher pratica. Como minha
teoria em linhas atrás, nessa época acontecia tudo comigo, mas não
sabia se as implicações seriam boas ou más. Mais pela frente verão
que viver, é uma ventura boa e perigosa. Nas loucas viagens, passei
por perigos eminentes e prazeres inconsequentes. Mas em minha cabeça,
um grilo persistente nunca parava. Comecei a me analisar, procurando
a rasão daquilo que deixava as coisas incompletas. Era como uma
sineta em miniatura que não me deixava esquecer o passado. A culpa
e a sede de vingança recaiam na pessoa de meu ex-chefe. Via nele a
causa de todos os meus males. Beatriz era apenas umas das vitimas,
segundo minha teoria. Procurava esquecer e desviar as ideias para
coisas mais saudáveis, mas bastava ouvir alguém falar no diabo ou
coisas maléficas, um som ou ruido de escritório, que imediatamente
ligava a sua imagem em minha cabeça. O grilinho não parava de
cricrilar. Aquilo me deixava com a sensação de ter deixado algo
por fazer. Impressão ruim e enervante. Lembrava dos tempos na
empresa e surgia à conhecida e aniquiladora angustia. Para retornar
a paz total, precisava aprontar uma com aquele individuo. Não queria
matá-lo, mas apenas dar uma lição inolvidável. Isso não fazia
parte dos mil planos arquitetados no decorrer dos anos. Dentre os
mil, depois de certo tempo, encontrei um que beirava os caminhos da
perfeição. Não iria aparecer, o que me excluiria de suspeitas.
Usaria uma terceira pessoa. Essa pessoa seria Eliza. Pensava em
usá-la somente como isca, sem envolvê-la seriamente. Iria
prepará-la devagar e quando estivesse pronta, acionaria o esquema.
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Na
segunda feira, chegando a casa, resolvi dar uma olhada na loira de
outro dia, há oitenta anos atrás. São essas atitudes curiosas que
muitas vezes levam o individuo a morte. É aquela chama que arde no
coração do homem, como a chama da vela atraindo a mariposa. A
beleza feminina atraindo para o perigo. Os juristas chamam essas
pessoas mal sucedidas de: Vítimas de crimes passionais. Prometi a
mim mesmo que teria o máximo de cuidado. Consegui chegar ao mesmo
lugar, o que me deu a certeza que a máquina era confiável. Estava
quase escurecendo e fiquei a certa distância observando, deitado na
grama rala atrás de pequenos arbustos. O cheiro fresco das gramíneas
evocavam tempos da infância, quando nossas brincadeiras eram em um
campinho. Estava tudo quieto com exceção de um galo cantando em
algum lugar, de minuto em minuto, como se fosse um relógio
anunciando as horas. Esperei vinte minutos e ninguém aparecia. Notei
que na baixada onde eu estava,tinha um poço que certamente
abastecia a casa. Era cercado de pedras assentadas, formando uma
parede circular em torno do buraco. Uma balde de madeira com um
pedaço de corda amarrada ao arco estava ao lado. Encostado a
paredinha tinha um verde deslumbrante, formado por folhinhas de
hortelã. Lembrei que era uma plantinha que gostava de umidade. Vi um
movimento no lado de fora da casa. Era o individuo parecido comigo
que saía, com um machado na mão. Foi até um monte de lenha e
começou a cortar cavacos que servissem no fogão. Vendo aquilo, vi
que não havia possibilidades de me aproximar. Me arrastando até a
nave, voltei para casa. Pensei em voltar novamente no sábado. Uma
hora teria a oportunidade de conversar com a moça e pedir desculpas
pelo meu ato e obter algumas respostas. Mas no meu intimo , queria
mesmo era abraçá-la novamente, mesmo correndo riscos. Apenas
tentava achar desculpas para encobrir tais ideias e ludibriar a mim
mesmo,quando as partes de baixo começam a pensar no lugar do
cérebro. Estava praticando os mesmos atos desonestos do Aristides e
não percebia. No sábado após o almoço, depois de uma sexta,
resolvi dar outra olhada. Cheguei e fiquei esperando no mesmo lugar.
Depois de meia hora, ela saiu e veio com uma vasilha em direção ao
poço. A minha posição ficava entre alguns arbustos baixos, mas
dava para esconder a mim e a cama. Quando ela se aproximou
bastante, eu chamei sua atenção, falando baixo. Ela levou um
susto, me vendo deitado no chão,mas logo se recompôs.
----Você
aqui de novo?Afinal quem é você? Meu marido que não é.----Estava
com cara de brava, como se tivesse sido enganada.
----Desculpe,
mas e que outro dia não tive tempo de explicar. Ele está em casa?
----Está
sim... E tome cuidado... Não saia daí... E é melhor ir embora
logo.----Ela falava e ao mesmo tempo fazia os movimentos de tirar
água do poço. Com isso não levantava suspeitas se alguém a visse
de longe.
----E
que eu queria conversar e explicar as coisas. Quando poderia vê-la
sem a presença dele?
----Não
sei.---Depois de alguns segundos, para a minha alegria,
continuou.----Semana que vem ele vai até a cidade. Fica o dia todo
por lá.
----Sabe
o dia que ele vai?
---Sempre
é na terça feira. Sai de manhã e volta à tarde.
----Está
certo... Eu volto. Deixe um pano branco na janela se ele estiver
ausente... Há! Mais uma coisa que quase ia esquecendo... Que dia é
hoje, mesmo?----Ela sorriu como se me achasse com cara de bobo. Quem
era aquele sujeito que nem sabia a data em que estava?
----Hoje
é dia 20 de Maio de 1920, quinta feira. ----Disse de forma didática.
Fiz uma cara de mais bobo ainda e ela perguntou:
----Afinal,
de onde vem você? Parece que está fora do tempo.
----Na
verdade, estou mesmo. Mas outra hora, explico. ----Dizendo isso
cheguei ate a cama atrás das moitas e voltei para casa. Para ela eu
tinha sumido no meio do mato. Em casa, comecei a analisar que se não
tivesse perguntado a data a ela, certamente iria ter um enorme
trabalho em descobrir. Eu sabia que existe uma diferença de dias a
cada ano que passa, devido à falha de nosso calendário. Às vezes
chega a dois dias de diferença, de um ano para outro. Se hoje é
quinta feira dia “X”, ano que vem, esse mesmo dia “X” cairá
em uma sexta ou sábado, ate completar o ciclo de sete dias, em sete
anos.
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