A máfia da fé























EX-VEREADOR MORRE DEPOIS DE DENUNCIAR IGREJA
UNIVERSAL

RUBENS VALENTE
da Folha de S.Paulo
Diretor da Igreja Universal do Reino de Deus entre 1981 e 1986 e
vereador do Rio de Janeiro por três legislaturas, Waldir Abrão
declarou ter sido usado como "laranja" --teve o nome usado sem
consentimento-- pela igreja em 20 operações de empréstimos
fictícios que trouxeram dinheiro do exterior para a aquisição de
uma TV de Goiânia (GO).

Abrão registrou um instrumento particular de declaração, de 23
páginas, no dia 18 de novembro no escritório Marzagão, Amaral
e Leal Advogados Associados, de São Paulo. No documento, ele
contou em detalhes como entrou na igreja nos anos 70 pelas mãos
do líder Edir Macedo, os métodos de arrecadação da igreja e a
suposta falsificação de sua assinatura em inúmeros documentos.

Seis dias depois de lavrar a escritura, passo inicial de uma futura
ação judicial por cobrança de débito, Abrão, 81, foi encontrado
caído no corredor do prédio em que vivia, no Rio de Janeiro, com
um ferimento na cabeça. Ele morreu dois dias depois no hospital
Souza Aguiar. A polícia investiga a morte.

Abrão anexou à declaração documentos que demonstram que,
enquanto esteve ligado à igreja, ele realizou movimentações
financeiras muito acima da sua capacidade. Por isso, foi autuado
pela Receita Federal.

No auto da Receita, Abrão aparece como tomador de 20
empréstimos, no valor de Cr$ 25 bilhões (aproximadamente
R$ 7 milhões em valores atuais), assinados entre 1992 e 1993
com as empresas offshore Cableinvest e Investholding, sediadas
nas Ilhas Cayman.

Os empréstimos nunca foram pagos. Segundo Abrão, eram
operações forjadas para internar dinheiro que havia saído do
Brasil por meio de doleiros em operações de "dólar-cabo", um
sistema clandestino de remessa de capitais.

As empresas Cableinvest e Investholding são as mesmas que
estão no centro da denúncia oferecida pelo Ministério Público
de São Paulo, em agosto, contra o líder da Universal, Edir
Macedo, e no pedido de cooperação internacional protocolado
pelos promotores de Justiça nos Estados Unidos.

Em 1997, a Receita cobrou de Abrão R$ 1,8 milhão, referente
à multa sobre o imposto devido. Ele atribuiu a essa multa e
às demais cobranças a decisão de registrar o seu depoimento.

Abrão contou ter entrado na igreja em 1977, quando ainda se
chamava Igreja da Bênção. Ele afirmou que Macedo tinha o
controle total da arrecadação. "Tanto na Iurd como na casa
do bispo Edir Macedo, o dinheiro era contado e repassado para
os doleiros que o encaminhava para o exterior", disse Abrão.

O aposentado narrou ter sido convidado por Edir para se
candidatar a vereador no Rio, em 1988. "Na ocasião eu não
sabia que o convite (...) iria sair tão caro para mim e que meu
nome seria usado para ser o maior laranja da Igreja Universal."

A partir daí, ele e sua mulher apareceram como fiadores de
aproximadamente 660 contratos de aluguel de prédios para
templos. Alguns aluguéis atrasaram, e o casal passou a ser
executado judicialmente.

Abrão descreveu a atuação dos parlamentares apoiados pela
igreja: "O objetivo era fazer com que os políticos que foram
eleitos pela Iurd aumentassem a arrecadação dos seus
gabinetes, exigindo dinheiro dos interessados para aprovação
de qualquer projeto que fosse necessário voto no plenário ou
simples apoio político".

Nas reuniões com políticos, segundo ele, "o bispo Rodrigues ou
o bispo Macedo sempre iniciavam o encontro perguntando se
havia saído alguma coisa "boa" para eles". O ex-deputado Carlos
Rodrigues deixou a igreja depois de ser citado no mensalão,
em 2005.

Abrão deixou igreja e se afastou da política. "Meu gabinete nunca
alcançava as metas por não concordar em votar de acordo com
os interesses da igreja ou cobrar por apoio".

Em dezembro de 1997, o ex-vereador foi procurado por um
auditor da Receita. "Verifiquei, pelas cópias que recebi, que
todas as assinaturas dos requerimentos e da procuração que
estavam no processo da Receita pedindo a juntada de documentos
para atender as exigências do Fisco, em meu nome, eram falsas",
afirmou Abrão.

Ele disse que procurou "acertar as contas" com a igreja por
telefone, por cartas e reuniões, mas não obteve resposta.

Outro lado

Procurada desde quarta-feira por meio de sua assessoria de
comunicação para comentar as declarações de seu
ex-diretor-presidente Waldir Abrão, a Igreja Universal do Reino
de Deus não havia se manifestado até o fechamento desta edição.

A Folha pediu à igreja, por e-mail, explicações sobre o suposto
uso de Abrão como laranja na compra de empresas com recursos
oriundos das empresas offshore Cableinvest e Investholding,
sediadas no paraíso fiscal das Ilhas Cayman.

A reportagem também quis saber se Abrão manteve contato
com representantes da igreja acerca do débito que a Receita
Federal diz que ele possuía, no valor estimado de R$ 8 milhões
(valores atualizados).

Em ocasiões anteriores, sobre outras investigações que trataram
da Cableinvest e da Investholding, os representantes da igreja
informaram que o assunto já foi analisado e arquivado, em
inquérito que tramitou no Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista concedida em agosto à TV Record, nos Estados
Unidos, o bispo Edir Macedo, líder da Universal, disse que a
igreja era alvo de ataques injustos e que a cada nova denúncia
que surge a Universal fica mais fortalecida.




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