O dinheiro que voou



















PLANO COLLOR, UM ESQUELETO DE 20 ANOS.

Confisco de depósitos fez vítimas que até hoje brigam na Justiça; Banco Central
tem quase R$ 500 milhões para pagar possíveis passivos.

Paula Pacheco - O Estado de S.Paulo

O Plano Collor, anunciado em 16 de março de 1990, um dia depois da posse do
presidente Fernando Collor de Mello, completa 20 anos na terça-feira. Duas
décadas se passaram e o mais escandaloso plano econômico da história brasileira
ainda tem incontáveis vítimas e um milionário esqueleto nas finanças do governo.

O pacote econômico angustia até hoje aqueles afetados pela mais radical das
medidas na época: o confisco dos depósitos bancários com valor acima de 50 mil
cruzados novos. Somente contra o Banco Central foram 154.406 ações, coletivas,
na maioria. Desse total, apenas 9.837 ações estão em andamento
(leia mais abaixo).O BC se deu bem em 98% dos casos.

Além do número de recursos das vítimas do Plano Collor contra o governo,
chama atenção o fato de o BC ter quase meio bilhão de reais provisionados
no balanço de 2009 para o caso de perder ações relacionadas ao pacote de
1990. São exatos R$ 494,4 milhões de provisão para pagamento do
possível passivo.

Pedro Paulo Souza, 75 anos, sonha embolsar parte do dinheiro do BC. Ele é um
dos poupadores que faz parte das ações coletivas movidas pelo Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Em uma delas o Idec saiu vitorioso.
O processo está em fase de ação de cobrança. Souza tem direito a cerca de
R$ 400 mil. Outros R$ 400 mil são reclamados em mais três ações.

Apesar da saúde, que não está lá essas coisas, Souza é um dos mais aguerridos
poupadores que tentam receber as perdas do plano. "Fui chamado pelo Collor
de especulador. Não é justo". Ele era funcionário de uma multinacional e
estava a dois anos de se aposentar quando veio o pacote.

Como aquele era um período em que os ganhos eram corroídos pela inflação
na casa dos 29% ao mês, quem tinha uma sobra de caixa costumava aplicar
na poupança. Era o caso de Souza, que, além das economias no banco, tinha
acabado de vender um terreno e aplicado o ganho. Seu plano era usar as
economias para abrir uma loja de materiais de construção ou virar um
empreiteiro.

"Hoje, mesmo com o dinheiro liberado, não teria condições de começar a vida
de novo", lamenta. O caso de Souza é parecido com o da maioria dos
poupadores. Junto com o anúncio do confisco, houve uma mudança na
correção das aplicações. No lugar do Índice de Preços ao Consumidor
(IPC), passou a valer o Bônus doTesouro Nacional Fiscal (BTNF).

Quem tinha poupança com aniversário na primeira quinzena de março, antes
da troca de índice, teria direito a uma remuneração de 84,32%. Para o BC,
que já estava com o dinheiro retido, o índice de correção, correspondente à
variação do BTNF, não passava de 8%.

É nessa diferença que se baseia a conta do aposentado Antonio Augusto Roque,
de São Paulo. Perto de fazer 80 anos, ele tenta receber cerca de R$ 250 mil,
diferença de cinco poupanças. Como lembrança daquela época, Roque tem a
imagem da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello na TV e nos jornais no dia do
anúncio do plano - de terninho preto, cabelo indomado e rosto espadaúdo.

"Fiquei com raiva dela. Enquanto ajudava na reforma da casa do meu filho,
as lágrimas desciam", lamenta. Instalador de banheiras, Roque sofreu com a
falta de liquidez no mercado. "Ninguém tinha dinheiro para instalar banheira
em casa", conta. Pai de dois filhos, ele apertou o cinto. "Se tínhamos dois ovos,
era um para cada filho. Plantava uns pés de couve e de alface no quintal,
e assim fomos nos virando."

Roque começou a trabalhar aos 13 anos. O pai, nascido em Portugal, logo
abriu uma poupança para o filho. Ele passou a vida a economizar e levou uma
rasteira. Se ganhar a ação, planeja: "Antes de morrer, gostaria de visitar
a terrinha do meu pai".

Veja também.
http://rs.quebarato.com.br/classificados/perdas-da-poupanca-plano-collor-plano-verao-plano-bresser__3089823.html

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