Terceiro mundo





















SOMOS MESMO TERCEIRO MUNDO.


  João Mellão Neto - O Estado de S.Paulo

Quase ninguém se encoraja a abordar esse tema, mas é
preciso que seja dito: o papel que o Brasil vem exercendo
na diplomacia internacional é visto pelos especialistas
como tolo e ingênuo, além de macular a nossa autoimagem
de país sério.

Aqui, na América do Sul, onde a nossa maior praga política,
o populismo, renasce com força, não somos vistos como
uma liderança, como deseja o governo. Quase todos os
nossos vizinhos nos encaram como "o primo rico". Ou seja,
aquele que tem sempre a obrigação de "pagar a conta".

O Chile - nosso atualmente único colega de subcontinente
em condições de chegar ao Primeiro Mundo - nos ignora.

Já a Argentina - que foi realmente uma potência mundial
até meados do século passado - vive nos chantageando
para que o Mercosul não seja desmantelado.

A todo momento o governo platense apresenta uma nova
barreira comercial protecionista contra os produtos de
exportação brasileiros, sob o enganoso pretexto de estar
protegendo a sua economia nacional e seus interesses
contra a "falta de simetria econômica" entre as duas
nações.

Ou seja, o mercado interno brasileiro está - e assim tem
de permanecer - escancarado às investidas dos poucos
produtos argentinos que têm preço competitivo. Já o
mercado argentino está travado por barreiras contra o
Brasil. "Muy hermanos" esses nossos vizinhos.

Mas os problemas que eles nos criam se resumem a isso.
O governo "peronista" de Christina Kirchner não precisa
de uma "mãozinha" política do Brasil. Os argentinos são
muito orgulhosos e não aceitam favores desse tipo
provenientes dos brasileiros.

Com relação à Venezuela, é diferente. Hugo Chávez
praticamente comprou a simpatia e a boa vontade dos
argentinos. Para tanto se dispôs a assumir razoável
parcela da dívida interna argentina. A Venezuela dispõe
de recursos suficientes para tais atos de generosidade.

Eles provêm do seu petróleo. Com tais divisas disponíveis,
o "bolivarianismo" - o novo socialismo latino-americano
- está sendo exportado para todo o continente. E,
atualmente, os grandes líderes políticos da região são os
venezuelanos, e não os brasileiros.


Seria natural que nós usufruíssemos tal condição. Afinal,
o Brasil é o maior país do continente latino-americano
- tanto em extensão territorial como em população e
também em poder econômico. Mas a opção de nossos
atuais governantes tem sido a de alimentar a nossa
"consciência pesada" com relação aos nossos vizinhos.
E eles bem sabem se aproveitar disso.

Evo Morales, na Bolívia, chegou ao poder com um
discurso claramente antibrasileiro. Segundo ele, o Brasil,
no passado, teria abusado da boa-fé boliviana para
comprar o Acre "pelo preço de um cavalo". Como pouca
gente, por aqui, conhece bem a História, a versão pegou.

E serve, agora, para alimentar nos brasileiros um
insuportável sentimento de culpa.

Obviamente, não foi bem assim. E o que estamos pagando
à Bolívia como uma forma de compensação tardia tem
um preço muito elevado. Compramos o gás natural que
eles produzem. O problema é que a nossa produção interna
de gás é mais do que suficiente para atender às demandas
da economia.

O gás proveniente da Bolívia está literalmente sobrando.
Mas jamais nos ocorreu suspender o contrato. E os líderes
bolivianos vão, para sempre, continuar falando mal da gente.

No Brasil, as nossas esquerdas sempre alimentaram o
discurso antiamericano. Ninguém percebe, por aqui, que,
para os nossos vizinhos, os grandes imperialistas não são
os norte-americanos, mas sim os brasileiros.

O atual governo do Equador, que apregoa ser nacionalista,
começou a sua gestão estatizando várias empresas
brasileiras. Foi uma atitude que pegou bem por lá. Ainda
mais porque os nossos dirigentes aceitaram isso sem reclamar.

Agora, no Paraguai, o ex-bispo "progressista" Fernando
Lugo venceu as eleições presidenciais prometendo
renegociar o contrato de Itaipu, mais do que decuplicando
o preço que o Brasil paga pela sua energia.

Ainda não aconteceu nada, mas as nossas autoridades já
deram seguidas demonstrações de que a boa vontade
brasileira com relação ao pleito é imensa.

O apoio incondicional que o nosso governo tem dado a
Hugo Chávez contradiz, na prática, o compromisso
brasileiro com a democracia e as suas instituições. O
mesmo argumento vale para Cuba. O nosso governo,
para tanto, faz vista grossa a todos os atentados aos
direitos humanos que por lá ocorrem.

Resultado: não logramos ser líderes de nada, na América
Latina. Passamos até por alguns ridículos, como o
de Honduras.

O nosso presidente foi convencido a visitar um monte
de nações insignificantes da África como forma de se
projetar no mundo. Em vão.

A maior cartada do nosso governo foi a suposta
intermediação na questão do Irã. Para isso demos guarida
institucional ao ditador de lá, quando o resto do mundo
evita fazê-lo. O homem é um vira-lata internacional. E o
que conseguimos com isso? Nada, além do vexame que
protagonizamos nos últimos dias.

Presidente, não seria hora de repensar nossa política
externa?

Os seus assessores na área, nos últimos oito anos, têm
lhe garantido que tais iniciativas tortuosas serviriam
para que obtivéssemos uma cadeira permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Nunca estivemos tão longe disso. As nossas insólitas e
erráticas investidas diplomáticas, ao contrário, criaram
uma imagem do Brasil como um parceiro pouco confiável.

Presidente, ainda é tempo de botar esses incompetentes
na rua!

JORNALISTA, DEPUTADO ESTADUAL, FOI DEPUTADO FEDERAL, SECRETÁRIO E MINISTRO
DE ESTADO. E-MAIL: J.MELLAO@UOL.COM.BR

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