O atoleiro do Supremo
- O Estado de S.Paulo
Na segunda-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) reuniu-se excepcionalmente. O motivo é sintomático daquela que parece ser a principal disfunção do sistema judicial brasileiro - a imensa demora entre a abertura e o desfecho de um processo. Os tribunais são sobrecarregados e lentos.
Já as possibilidades de recursos e outras manobras protelatórias ao alcance dos réus são extravagantes. O que provocou a sessão extraordinária do STF foi o calendário. No dia seguinte, um deputado federal, José Fuscaldi Cesilio, do PTB de Goiás, mais conhecido como José Tatico, acusado de fraudar a Previdência, completaria 70 anos - o que abreviaria pela metade o prazo de prescrição dos seus delitos.
Pelo fato de ser ele parlamentar, a ação de que era alvo deveria correr necessariamente no STF, conforme o rito do chamado foro privilegiado.
Tatico foi condenado a 7 anos de prisão em regime semiaberto por não repassar ao INSS as contribuições dos funcionários da empresa de que é sócio. É a primeira vez desde 1988, quando a atual Constituição foi promulgada, que o STF manda um político para a cadeia.
Em outro caso de maio último, do deputado Zé Gerardo, do PMDB do Ceará, a pena de detenção de 2 anos e 2 meses foi substituída pela prestação de serviços comunitários. Tatico, que concorre a um terceiro mandato, foi incluído pela Justiça Eleitoral no rol dos fichas-sujas por captação e gastos ilícitos de campanha.
Naturalmente, recorreu. Poderá se eleger e até ser diplomado, se até lá o STF não desatar o nó sobre a vigência da Lei da Ficha Limpa, porque ele só começará a cumprir a pena que o privará dos direitos políticos depois de a Corte examinar eventuais embargos - e a ação, enfim, transitar em julgado.
Malvisto pela população, para a qual existe apenas para proteger políticos delinquentes, o instituto do foro privilegiado nasceu da legítima preocupação de impedir que mandatários e autoridades nomeados fiquem sujeitos a processos politicamente motivados em instâncias inferiores.
Mas, na prática, a crítica da opinião pública procede: o julgamento no Supremo é uma via expressa para a impunidade, se não pela leniência de ministros, pelo acúmulo de ações (e as espertezas dos réus e seus patronos).
Diz um ministro que, se a condenação de Tatico fosse a regra e não a exceção, o Congresso já teria tratado de extinguir o foro privilegiado. Pode ser. No entanto, o que inibe o crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição, como dizia o jurista Cesare Beccaria ainda no século 18.
Na realidade, a quase certeza da impunidade é que empurra os políticos para o crime. Os processos contra eles atolam na escassez de meios do STF para agilizá-los e no excesso de oportunidades à disposição dos réus para retardá-los.
O deputado paraense Jader Barbalho, por exemplo, tem contra si 5 ações penais. A mais antiga data de 2003.
Nenhuma está pronta para ser julgada. Outra figura notória nesse departamento, Paulo Maluf tem advogados mestres em empurrar as ações de que é alvo para o Dia de São Nunca. Do seu vasto repertório de truques faz parte arrolar uma testemunha do Afeganistão. Quando o pior está para acontecer, os políticos tiram da manga o ás salvador.
Foi o que fez o então deputado Ronaldo Cunha Lima. Às vésperas do julgamento do processo movido contra ele havia 12 anos por tentativa de homicídio, renunciou ao mandato. Assim, a acusação desceu para a primeira instância. Nem isso o ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi precisou fazer. Condenado a 6 meses por crimes de responsabilidade, safou-se porque os delitos já tinham prescrito.
Boa parte das limitações do STF resulta de que, em vez de Corte Constitucional exclusiva, funciona como quarto grau de jurisdição em processos comuns. Neste sistema kafkiano, basta um advogado introduzir na lide uma questão de direito para levá-la, com toda a probabilidade, ao Supremo.
É de perguntar o que espera o tribunal para se aparelhar de modo a dar conta dessa carga já antiga, enquanto causas de alcance excepcional, como a do mensalão, ficam paralisadas.
Já as possibilidades de recursos e outras manobras protelatórias ao alcance dos réus são extravagantes. O que provocou a sessão extraordinária do STF foi o calendário. No dia seguinte, um deputado federal, José Fuscaldi Cesilio, do PTB de Goiás, mais conhecido como José Tatico, acusado de fraudar a Previdência, completaria 70 anos - o que abreviaria pela metade o prazo de prescrição dos seus delitos.
Pelo fato de ser ele parlamentar, a ação de que era alvo deveria correr necessariamente no STF, conforme o rito do chamado foro privilegiado.
Tatico foi condenado a 7 anos de prisão em regime semiaberto por não repassar ao INSS as contribuições dos funcionários da empresa de que é sócio. É a primeira vez desde 1988, quando a atual Constituição foi promulgada, que o STF manda um político para a cadeia.
Em outro caso de maio último, do deputado Zé Gerardo, do PMDB do Ceará, a pena de detenção de 2 anos e 2 meses foi substituída pela prestação de serviços comunitários. Tatico, que concorre a um terceiro mandato, foi incluído pela Justiça Eleitoral no rol dos fichas-sujas por captação e gastos ilícitos de campanha.
Naturalmente, recorreu. Poderá se eleger e até ser diplomado, se até lá o STF não desatar o nó sobre a vigência da Lei da Ficha Limpa, porque ele só começará a cumprir a pena que o privará dos direitos políticos depois de a Corte examinar eventuais embargos - e a ação, enfim, transitar em julgado.
Malvisto pela população, para a qual existe apenas para proteger políticos delinquentes, o instituto do foro privilegiado nasceu da legítima preocupação de impedir que mandatários e autoridades nomeados fiquem sujeitos a processos politicamente motivados em instâncias inferiores.
Mas, na prática, a crítica da opinião pública procede: o julgamento no Supremo é uma via expressa para a impunidade, se não pela leniência de ministros, pelo acúmulo de ações (e as espertezas dos réus e seus patronos).
Diz um ministro que, se a condenação de Tatico fosse a regra e não a exceção, o Congresso já teria tratado de extinguir o foro privilegiado. Pode ser. No entanto, o que inibe o crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição, como dizia o jurista Cesare Beccaria ainda no século 18.
Na realidade, a quase certeza da impunidade é que empurra os políticos para o crime. Os processos contra eles atolam na escassez de meios do STF para agilizá-los e no excesso de oportunidades à disposição dos réus para retardá-los.
O deputado paraense Jader Barbalho, por exemplo, tem contra si 5 ações penais. A mais antiga data de 2003.
Nenhuma está pronta para ser julgada. Outra figura notória nesse departamento, Paulo Maluf tem advogados mestres em empurrar as ações de que é alvo para o Dia de São Nunca. Do seu vasto repertório de truques faz parte arrolar uma testemunha do Afeganistão. Quando o pior está para acontecer, os políticos tiram da manga o ás salvador.
Foi o que fez o então deputado Ronaldo Cunha Lima. Às vésperas do julgamento do processo movido contra ele havia 12 anos por tentativa de homicídio, renunciou ao mandato. Assim, a acusação desceu para a primeira instância. Nem isso o ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi precisou fazer. Condenado a 6 meses por crimes de responsabilidade, safou-se porque os delitos já tinham prescrito.
Boa parte das limitações do STF resulta de que, em vez de Corte Constitucional exclusiva, funciona como quarto grau de jurisdição em processos comuns. Neste sistema kafkiano, basta um advogado introduzir na lide uma questão de direito para levá-la, com toda a probabilidade, ao Supremo.
É de perguntar o que espera o tribunal para se aparelhar de modo a dar conta dessa carga já antiga, enquanto causas de alcance excepcional, como a do mensalão, ficam paralisadas.
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