Um apego incondicional



Quando morava em Guareí, as vezes a gente comentava sobre o apego do povo ao lugar.Todos nós tínhamos nascido ali e a sensação era que estávamos dentro de uma redoma protetora. Coisa da cabeça de cada um ou como diria o psicanalista, "o consciente coletivo" do guareiano.

Muitos foram embora, inclusive eu, mas outros ficaram até o fim de seus dias, achando que aquele era o seu lugar definitivo.Meu pai quando já estava velho, um dia propus a ele que poderia ir para a cidade onde eu e meu irmão morávamos, facilitando o atendimento ao casal, já perto dos oitenta anos.

A resposta foi firme e imediata.---Não... aquí é o meu lugar.Meu irmão quando ia para Itapetininga, dizia que na volta, quando o ônibus chegava lá pelos altos da raia, parecia que o tempo clareava, os pássaros cantavam e podia ouvir se prestasse bem atenção, um coralzinho de fundo, dando as boas vindas. Um amigo dele, também  adepto da teoria,  dizia que só ficava calmo quando subia no ônibus para voltar  para casa.

Tinha um homem chamado Brás, que não me lembro o sobrenome, sujeito bom e simples, muito conhecido na cidade.Um dia apareceu um problema em sua boca.Depois de algum tempo ele começou a usar um pano tapando.Como a doença era coisa séria, levaram-no a um hospital em Sorocaba, onde ficou internado.

Parece que  não aguentou três dias  e acabou fugindo de volta para Guareí.Acabou morrendo pela doença, mas com um gostinho todo particular.Morreu no lugar que gostava e não podia ficar longe dali nem que estivesse em risco a própria vida.

O mais interessante de tudo isso é que dos anos 60 para cá, os guareianos passaram a nascer fora da cidade e também a morrer longe de lá.A maioria passou a nascer em Itapetininga, na maternidade local.Como em Guareí não tinha hospital,os doentes terminais eram internados lá também.

Só morria gente em Guareí, se fosse acometido de um mal súbito ou pelo punhal de algum inimigo.O guareiano sempre teve um contato maior com Itapetininga, devido a curta distancia (35km) e a estrada sempre estar em melhores condições.Grande parte da população de lá é composta de guareianos que foram  em busca de melhores condições de vida para os filhos.

Mas voltando ao assunto do inicio, temos também a historia de um amigo de infância.Trabalhamos juntos na sapataria do Mário Pinto.Ele era um jogador de futebol, tido como um dos melhores da cidade. O tempo passava e ele se aperfeiçoava mais na arte. Já maior de idade , um dia um clube  de outra cidade, ofereceu um teste ,dando a possibilidade para ele levar o nome do futebol guareiano para outras paragens.

Lá foi ele, mas a decepção foi tão grande que logo acabou voltando.Não conseguia exibir o seu jogo perfeito em terra estranha.Seus pés o traiam, seu fôlego encurtava.Só jogava bem na sua cidade , no seu campo .O lugar exercia uma atração incondicional sobre nós,como um imã em um parafuso.

Um outro amigo que foi embora para Tatuí e trabalhava na Sabesp, conversava comigo e dizia que não via a hora de se aposentar para poder voltar a terra natal.Quando se aposentou, não deu outra coisa.Vendeu sua casa, colocou a mudança em um caminhão e rumou de volta para a terra querida.Eu  quando solteiro ,consegui ficar oito anos fora e acabei voltando.

Hoje, depois de 33 anos fora do campo magnético, parece que consegui a liberdade definitiva. Passou tudo aquilo que tínhamos de valores na época.Novas gerações vieram e velhos conhecidos  se foram.Não fora da cidade, mas para um lugarzinho além da ponte do Américo. Hoje, nem o rio que passa por baixo dela, parece ser o mesmo.

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