Estrela inatingível




















NATAL TRISTE
Zozimo Lima
Desajustado dentro da atualidade passeei rapidamente pela feirinha do
Parque Teófilo Dantas somente para receber a impressão do que ia na
alma do povo neste Natal de 1948.Mais tristeza, mais desconsolo do que
alegria. Somente as crianças e os namorados davam expansão aos seus
sentimentos que a idade e a situação não podem recalcar.Os homens a
quem as responsabilidades adquiridas com os cabelos brancos e os
encargos encheram de preocupações de ordem moral e econômica
percorriam as alamedas do Parque iluminado como desconfiados
fugitivos ou pássaros acossados pela tempestade em perspectiva.

Não esconder a atribulação e o desalento que lhes iam no interior.
Qualquer coisa de misterioso se lhes estampava nas fisionomias
abatidas.O homem da rua e dos campos, que se esgota no trabalho
de sol a sol, sem a proteção que a outros é outorgada com o mínimo
de prodigalidade oriunda da abastança, passou o Natal com a alma
torturada pelo espectro da miséria que lhe vem rondando o lar.

Em qualquer lugar que se penetre, hoje, ouvem-se, num crescendo
atordoante, as queixas dos vencidos, em maioria, pela situação
calamitosa em que se encontram, sem trabalho remunerado de
acordo com as exigências do estômago, tendo, ainda, diante dos
olhos espantados, a perspectiva de futuro mais negro e desolador
do que o presente.

As injustiças sociais, o abandono criminoso, a falta de eqüidade, a
sonegação da terra para o amanho, a prepotência como arma para
a implantação de exóticas ideologias liberticidas, a mentira e o
egoísmo prostituindo o conceito legítimo da Democracia, levaram o
homem atual, a quem legam a solução dos seus problemas capitais,
ao descoroçoamento e à miséria.

A vida para o homem pobre, esmagado por insignificante minoria
poderosa, tomou-se um martírio comparável àqueles que não
poderiam escapar à pena de Tolstoi e Dostoiewsky.Nas capitais,
nos subúrbios, nas cidades do interior, o espetáculo da mendicância
é apavorante. Esmolam muitos não por doença mas por falta de trabalho
o homem do campo foi enxotado da roça em que mourejava de manhã à
noite porque o dono da terra, do vasto latifúndio, suserano absoluto
e implacável, precisou alargar a superfície das pastagens ou não
conseguiu saciar a besta da volúpia na pureza virginal da filha honesta
do rendeiro.

Alguns pobres lavradores, com tratos de terra de apreciável uberdade,
não contaram com o auxílio necessário no sentido de ará-los e melhorar
a sementeira.Os propósitos do governo, que dispõe das verbas próprias
para o fomento necessário, têm as suas preferências que não atingem a
coletividade agrária.Daí, como se vê, à falta de estímulo e proteção - a
deserção do camponês para a ilusão de outras terras ou a busca de
centros urbanos, muitas vezes com família numerosa, onde mais difícil
se lhe torna a situação pelo desencontro profIssional.

Cresce, por isso mesmo, pela superpopulação urbana, inábil, o número
de desocupados, de falsos mendigos, de ladrões primários e engrossam
as fileiras do meretrício que é a conseqüência da fome de mãos dadas
à vaidade estimulada pelos rufiões de olho vivo a serviço de frascários
endinheirados.O Natal de 1948 foi de tristezas e apreensões. O Parque
Teófilo Dantas quase deserto. O dinheiro foi escasso para a maioria.

Muito lar não viu o costumeiro bolo de Natal.Os pais humildes, tantos
funcionários do Estado, privando-se de um pão à mesa, levaram os
filhinhos — estes na inconsciência feliz das necessidades do lar onde
mora hoje a melancolia - para um simples giro de carrossel.

Moças pobres, de fábricas e de escritórios, ainda mostravam os últimos
feitiços da beleza extenuada, exibindo lindos vestidos comprados a
prestações, enquanto o patrão, enriquecendo com o câmbio negro,
talvez se banqueteasse, no lar festivo, atraindo mancebos maneirosos
com a promessa de dotes opulentos.E lá fora, na Ásia, na Europa e em
qualquer parte da América, talvez se processe neste instante nova
conflagração para aniquilar o Mundo.
(Correio de Aracaju - 29/12/48)

Parece que foi escrito ontem.
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